DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

 

Wagner Balera*

 

 1. O conceito de pessoa

Como parte integrante do cardápio dos direitos humanos o direito ao desenvolvimento exige que, antes e preliminarmente, seja fixado o conceito em torno do qual gravita toda essa problemática: o conceito de pessoa.

Para formular esse conceito JOÃO XXIII fixa o seguinte princípio:

“...cada ser humano é pessoa, isto é, natureza dotada de inteligência e vontade livre.. Por isso, possui em si mesmo direitos e deveres que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza. Trata-se, portanto, de direitos e deveres universais, invioláveis e inalienáveis.”[1]

Como decorrência dessa posição singular em que se situa a pessoa humana no universo, tudo começa nela e por ela e nela deve terminar.

Eis a razão pela qual a Constituição Pastoral do Concilio Vaticano II sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes afirma

A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais, porque, por sua natureza, necessita absolutamente da vida social. A vida social não é portanto algo acrescentado ao homem: assim o homem desenvolve-se em todas as suas qualidades mediante a comunicação com os outros, pelas obrigações mútuas, pelo diálogo com os irmãos, e pode corresponder à sua vocação.[2] 

Percebe-se, para logo, que o primado da pessoa é o ponto essencial.

A pessoa é revestida de dignidade, atributo que só nela está presente.

O homem é, destarte, mais, muito mais, do que a sua individualidade. Esta última cuida da dimensão puramente empírica do ser do homem enquanto que a personalidade supera e transcende essa dimensão física. Ainda que ao corpo restem pouquíssimas expressões, a personalidade conferirá ao sujeito as verdadeiras dimensões que, superando a individualidade, identificam a substância do ser e a respectiva abertura para o outro.[3]

Na pessoa estão reunidos, como em harmoniosa composição, a consciência, a vontade e a independência. Três atributos que conferem à personalidade, livre de ingerências e opressões, total responsabilidade pelos seus atos.

Após considerar a dimensão individualizada dos direitos da pessoa o ordenamento jurídico internacional aponta para a dimensão socializada desses direitos e, nesse contexto, surge o direito ao desenvolvimento.

Expandindo as liberdades reais de que se acha investida a pessoa busca encontrar as demais e resposta a tal atitude será a verdadeira integração social. As liberdades serão, nessa medida, instrumentais do desenvolvimento.[4]

Em verdade, a trajetória conceitual do direito ao desenvolvimento pode ser apresentada sob cinco distintos ângulos de observação.

2. A concepção filosófica

O primeiro desses critérios de observação é de ser o da concepção integral do homem, que teve sua melhor proposta no pensamento filosófico de Maritain.

Sustenta o filósofo que o homem não se pode contentar com a dignidade pessoal. Dele se espera que trabalhe na transformação das estruturas sociais a fim de que estas, renovadas a partir das raízes pelo novo modo com que serão abordadas, proporcionem a plena dignificação de todos os homens.

Nessa gestação filosófica do conceito, já se encontra, in fieri, a tensão que pode ser resumida não propriamente no conceito mas no seu objetivo, que se pode resumir na seguinte questão: que desenvolvimento?

Pensamos que, de fato, ao conceito de desenvolvimento se verá agregado, inicialmente, essa cosmovisão do homem do humanismo integral como sendo aquele que não desconhece nada daquilo que pertence ao homem.[5]

Não nos esqueçamos que a edição princeps da obra de Maritain é de 1936.

3. A concepção política

O segundo modo de formulação do conceito de desenvolvimento pode ser identificado na Carta de Bogotá, de 1948, que configura a Organização dos Estados Americanos. Aqui se percebe, com claridade, a dimensão especificamente política do tema.

De fato, na redação primitiva do histórico documento surge a noção de desenvolvimento integral que, desde então, está sendo aprimorada por intermédio não apenas de acréscimos ao texto original como, igualmente, pela arrumação, no interior da OEA, de estruturas especialmente incumbidas dos cuidados com o tema.

Assim dispunha o texto primitivo do documento em referência:

Art. 29 Os Estados-Membros, inspirados nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanos, comprometem-se a unir seus esforços no sentido de que impere a justiça social internacional em suas relações e de que seus povos alcancem um desenvolvimento integral, condições indispensáveis para a paz e a segurança. O desenvolvimento integral abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, e científico e tecnológico, nos quais devem ser atingidas as metas que cada país definir para alcancá-lo”.

Percebe-se, para logo, que a semente lançada pelas lições de Maritain encontra seu primeiro fruto institucional nesse conceito sobranceiro.

Para além de mero arranjo econômico, como até então vinha sendo tratado, o tema do desenvolvimento se acha indissociavelmente ligado à justiça social. Todos os campos devem ser considerados, como sublinha o preceito citado.

Importa ter presente que houve impressionante evolução do conceito que, no texto vigente da Carta da OEA, se desdobra em todo um capítulo.

 4. A concepção moral 

Como que dando acabamento, no plano moral, ao conceito, em março de 1967 é lançada a Populorum Progressio, de Paulo VI.

No longo itinerário de elaboração da Doutrina Social da Igreja a Encíclica de Paulo VI surge como o marco divisório da questão social.

Enquanto os anteriores documentos pontifícios identificavam no conflito entre as categorias sociais da produção – o capital e o trabalho, que PIO XI qualificou, apropriadamente, de gêmeos inimigos – como o cerne dos problemas sociais, a Populorum Progressio se dá conta que a questão social assumia, então, dimensão mundial.

Tratava-se, com efeito, da disputa entre os povos da fome e os povos da opulência. Estes últimos, movidos pela ganância, não permitem que os primeiros assumam o lugar que lhes cabe no conserto das nações.

A questão encontra-se bastante bem delineada no seguinte trecho:

“Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos. São necessários programas para "encorajar, estimular, coordenar, suprir e integrar"(35) a ação dos indivíduos e dos organismos intermediários. Pertence aos poderes públicos escolher e, mesmo impor, os objetivos a atingir, os fins a alcançar e os meios para os conseguir e é a eles que compete estimular todas as forças conjugadas nesta ação comum. Tenham porém cuidado de associar a esta obra as iniciativas privadas e os organismos intermediários. Assim, evitarão o perigo de uma coletivização integral ou de uma planificação arbitrária que, privando os homens da liberdade, poriam de parte o exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana.”[6]

A exortação do Sumo Pontífice não deixa margem a nenhuma dúvida sobre o itinerário a percorrer para que se atinja o verdadeiro desenvolvimento (sublinhamos a expressão que, a seu tempo, será explicada).

Em primeiro lugar, cumpre encorajar os atores sociais a que busquem os meios e modos por intermédio dos quais o objetivo será atingido.

De outra parte, a comunidade deve estimular os agentes do desenvolvimento para que cumpram suas tarefas.

Compete, finalmente, aos poderes públicos não apenas agirem como instâncias de coordenação dos diferentes programas postos em ordem ao desenvolvimento como, igualmente, com fundamento no principio da subsidiariedade, devem suprir e integrar a iniciativa privada e os grupos intermediários no seu agir.

De nenhum modo esse feixe de atividades pode deixar de considerar que os objetivos a atingir dependem, as mais das vezes, da ação coordenada dos poderes públicos, especialmente pelos responsáveis pela condução das economias mais importantes do mundo, e da sociedade civil organizada. Esta última, cumpre dizer, deve fazer sua parte por intermédio de iniciativas que provoquem a sensibilidade das comunidades para a causa comum do desenvolvimento.

O desenvolvimento integral proposto pela Carta da OEA exige transformações estruturais da sociedade. Novas forças devem ser identificadas e prestigiadas, algumas das quais estiveram presentes ao longo da história.

A descoberta relativamente recente do imenso potencial das organizações não governamentais é prova cabal da concreta possibilidade de instauração das modernas estruturas, capazes de promover a revisão de valores que, no caduco modelo econômico do capitalismo, só foram aptas a fomentar o lucro desenfreado das minorias que, com rigor, PIO XI denominou “imperialismo internacional do dinheiro”.

Esses novos rumos que o desenvolvimento adotará carregam consigo, de maneira irresistível, a mudança de mentalidade, tão necessária ao enfrentamento dos preconceitos e à propositura de novas bases de convivência social.

A segunda parte da Populorum Progressio exorta a sociedade humana a assumir o ideal da solidariedade.

Aqui convém abrir necessário parênteses explicativo.

Quando se cogita das distintas dimensões dos direitos humanos é do senso comum  identificá-las com a célebre tríade da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade. Pode-se até mesmo dizer que esses três vetores resumem e compendiam o que pode ser chamado de bem comum. Como parte da sociedade, as pessoas humanas formam a comunidade da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Não se trata de simples suceder de gerações de direitos, partindo dos civis para os sociais. Do que se cuida é da somatória de tais direitos no todo social, integrando os homens e a humanidade toda no plano individual e social.

Aos direitos da terceira dimensão, que na linguagem dos revolucionários encontrava sua síntese na expressão fraternidade, o linguajar moderno tem denominado direitos de solidariedade · 

Tratando desses direitos que, pioneiramente, foram definidos e descritos como fazendo parte integrante do desenvolvimento integral pela Carta da OEA, a PopulorumProgressio sublinha que tal desenvolvimento exige solidariedade.

Portanto, a solidariedade é a conditio sine qua non do desenvolvimento integral.  Esta solidariedade passa, assim, a integrar como componente necessária a vida da humanidade reunida em torno dos ideais do bem comum. A vida social é um todo cujas partes integrantes são, em si mesmas consideradas, outros todos. Há um todo de liberdades – que podem ser cognominadas liberdades públicas. Há um todo de igualdades e, também um todo de solidariedade. Maritain sublinha que o bem comum é a comunhão das pessoas no bom viver.[7]

A expressão fraternidade, originalmente inscrita na terminologia dos revolucionários, não naturalmente carregada com o sentido moral de que se acha revestida foi, a pouco e pouco, adquirindo expressão jurídica. Trata-se, agora, da solidariedade, modo de ser jurídico da fraternidade.  Esta fórmula significa que, a seu modo, o direito torna a caridade compulsória.[8]

Em verdade, como prega PAUL-EUGENE CHARBONEAU, comentando o ponto 44 da Populorum Progressio:

“...é a solidariedade que deveria nascer da fraternidade. E esta solidariedade deve ser aceita por todos os povos ricos. É àquele que possui uma grande parte dos bens comuns que compete ajudar os outros a terem acesso, eles também, à riqueza.”[9]

No preceituário tão bem engendrado pela nova redação do Capítulo VII da Carta da Organização dos Estados Americanos, significativamente intitulado “Desenvolvimento Integral” estão catalogados os seguintes comandos:

 


Capítulo VII

DESENVOLVIMENTO INTEGRAL

Artigo 30

Os Estados membros, inspirados nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas, comprometem-se a unir seus esforços no sentido de que impere a justiça social internacional em suas relações e de que seus povos alcancem um desenvolvimento integral, condições indispensáveis para a paz e a segurança. O desenvolvimento integral abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico, nos quais devem ser atingidas as metas que cada país definir para alcançá-lo.

Artigo 31

A cooperação interamericana para o desenvolvimento integral é responsabilidade comum e solidária dos Estados membros, no contexto dos princípios democráticos e das instituições do Sistema Interamericano. Ela deve compreender os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico, apoiar a consecução dos objetivos nacionais dos Estados membros e respeitar as prioridades que cada país fixar em seus planos de desenvolvimento, sem vinculações nem condições de caráter político.

Artigo 32

A cooperação interamericana para o desenvolvimento integral deve ser contínua e encaminhar-se, de preferência, por meio de organismos multilaterais, sem prejuízo da cooperação bilateral acordada entre os Estados membros.

Os Estados membros contribuirão para a cooperação interamericana para o desenvolvimento integral, de acordo com seus recursos e possibilidades e em conformidade com suas leis.

Artigo 33

O desenvolvimento é responsabilidade primordial de cada país e deve constituir um processo integral e continuado para a criação de uma ordem econômica e social justa que permita a plena realização da pessoa humana e para isso contribua.

Artigo 34

Os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades, a eliminação da pobreza crítica e a distribuição eqüitativa da riqueza e da renda, bem como a plena participação de seus povos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento, são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral....[10]

A configuração de tais direitos na mais elevada norma jurídica [11]adotada pelos paises integrantes das Américas não pode deixar de apontar para uma, por assim dizer, subida de tom no discurso e da prática da solidariedade.

De fato, os signatários da Carta, totalizando trinta e quatro dos trinta e cinco paises que integram as Américas assumiram o compromisso histórico com o desenvolvimento integral. A solidariedade entre eles deixa de ser mera intenção para se configurar em verdadeiro dever.

Trata-se da denegação do liberalismo econômico, particularmente nefasto nas relações econômicas e comerciais entre nações.

Reforçando a concepção triádica dos direitos humanos, o Documento das Américas qualifica a solidariedade que, no dizer de certo autor:  “tiene que funcionar com un equilíbrio de la libertad para redistribuirla en forma razonablemente igualitária.”[12]

A interpelação da Gaudium et Spes (Os povos da fome dirigem-se hoje, de modo dramático, aos povos da opulência) foi expressamente retomada pela Populorum Progressio (ponto 3) que dela retira a conseqüência:

“..os povos ricos gozam de um crescimento rápido, enquanto os pobres se desenvolvem lentamente. O desequilíbrio aumenta: alguns produzem, em excesso, gêneros alimentícios, que faltam cruelmente aos outros, vendo estes últimos tornarem-se incertas as suas exportações.”[13]

Ora, a preocupação do Sumo Pontífice é a mesma manifestada pelos paises da América que, para lograrem a conquista do desenvolvimento integral, identificam o problema econômico e cuidam da respectiva solução, ao disporem: 

Artigo 40

Os Estados membros reafirmam o princípio de que os países de maior desenvolvimento econômico, que em acordos internacionais de comércio façam concessões em benefício dos países de menor desenvolvimento econômico no tocante à redução e abolição de tarifas ou outras barreiras ao comércio exterior, não devem solicitar a estes países concessões recíprocas que sejam incompatíveis com seu desenvolvimento econômico e com suas necessidades financeiras e comerciais.

 A redistribuição entre os povos dos benefícios de uma economia bem organizada exige, de fato, que haja concessões aptas a proporcionarem a superação das desigualdades com que sentam naturalmente à mesa dos debates econômicos paises em posições diametralmente opostas.

Transformando as estruturas do respectivo comércio, os paises se comprometem a redistribuir, mediante regulação adequada dos compromissos que assumiram; mediante compensações justificadas; os bens que alguns concentraram.

Finalizando esta etapa podemos identificar a mais intima associação que um documento internacional apresenta entre desenvolvimento (nessa concepção integral até aqui exposta) e direitos humanos.

Quando os teóricos refletem sobre a evolução do conceito de direitos humanos há, quase sempre, a tendência à classificação.

Intentam hierarquizar, à luz dos conceitos do positivismo, os diversos direitos que a Declaração de 1948 catalogou indistintamente.

Deparam-se, por vezes, com não poucas dificuldades.

De fato, como atribuir maior importância à vida do que ao trabalho, sem o qual a pessoa não obtém os meios indispensáveis para a garantia da respectiva sobrevivência (que nada mais é do que o padrão de vida digno)?

Daí a falácia das classificações em geral.

Para demonstrarem a perfeita associação entre o desenvolvimento e os direitos humanos a Carta da Organização dos Estados Americanos apresenta breve síntese de tais direitos, como que se perfilando com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim se acham sumariados esses direitos:

 

Artigo 45

Os Estados membros, convencidos de que o Homem somente pode alcançar a plena realização de suas aspirações dentro de uma ordem social justa, acompanhada de desenvolvimento econômico e de verdadeira paz, convêm em envidar os seus maiores esforços na aplicação dos seguintes princípios e mecanismos:

a) Todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, nacionalidade, credo ou condição social, têm direito ao bem-estar material e a seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade, dignidade, igualdade de oportunidades e segurança econômica;

b) O trabalho é um direito e um dever social; confere dignidade a quem o realiza e deve ser exercido em condições que, compreendendo um regime de salários justos, assegurem a vida, a saúde e um nível econômico digno ao trabalhador e sua família, tanto durante os anos de atividade como na velhice, ou quando qualquer circunstância o prive da possibilidade de trabalhar;

c) Os empregadores e os trabalhadores, tanto rurais como urbanos, têm o direito de se associarem livremente para a defesa e promoção de seus interesses, inclusive o direito de negociação coletiva e o de greve por parte dos trabalhadores, o reconhecimento da personalidade jurídica das associações e a proteção de sua liberdade e independência, tudo de acordo com a respectiva legislação;

d) Sistemas e processos justos e eficientes de consulta e colaboração entre os setores da produção, levada em conta a proteção dos interesses de toda a sociedade;

e) O funcionamento dos sistemas de administração pública, bancário e de crédito, de empresa, e de distribuição e vendas, de forma que, em harmonia com o setor privado, atendam às necessidades e interesses da comunidade;

f) A incorporação e crescente participação dos setores marginais da população, tanto das zonas rurais como dos centros urbanos, na vida econômica, social, cívica, cultural e política da nação, a fim de conseguir a plena integração da comunidade nacional, o aceleramento do processo de mobilidade social e a consolidação do regime democrático. O estímulo a todo esforço de promoção e cooperação populares que tenha por fim o desenvolvimento e o progresso da comunidade;

g) O reconhecimento da importância da contribuição das organizações tais como os sindicatos, as cooperativas e as associações culturais, profissionais, de negócios, vicinais e comunais para a vida da sociedade e para o processo de desenvolvimento;

h) Desenvolvimento de uma política eficiente de previdência social; e

i) Disposições adequadas a fim de que todas as pessoas tenham a devida assistência legal para fazer valer seus direitos 

Aliás, ao elaborarem o Projeto da Carta Social das Américas, consoante determinação da Assembléia Geral da OEA os seus autores estabeleceram a conexão necessária entre direitos humanos e desenvolvimento, quando lançaram, no esboço do documento, o seguinte considerando:

 Que a promoção e observância dos direitos econômicos, sociais e culturais conformam substância do desenvolvimento integral e do crescimento econômico com eqüidade;

 5. A concepção institucional

Podemos dizer que a última forma de abordagem do conceito de desenvolvimento alcança o nível institucional quando o tema ingressa na pauta de reflexões das Nações Unidas.

O normativismo característico dos direitos humanos é, manifestamente, supranacional.[14]

O produtor primeiro dessa normatividade é o sistema das Nações Unidas. Preferimos identificar tal sistema, pela singularidade de gênero de que se reveste, com a instituição que o capitaneia, a Organização das Nações Unidas.

De fato, o engenho humano revestiu a ONU com o estatuto de representante de toda a sociedade humana.

Por maiores que sejam as críticas que se façam à sua estrutura e organização, ninguém pode ignorar que a Organização ocupa o papel de ator principal em toda a cena política da segunda metade do século XX. E, tudo indica, terá reservado esse mesmo papel neste inicio de terceiro milênio.

Desde o seu nascedouro o sistema das Nações Unidas assumiu incumbência específica no trato dos direitos humanos.

Essa vocação se expressa na celebre assertiva da Declaração de Filadélfia, de 1944: a pobreza, onde quer que exista constitui um perigo para a prosperidade de todos.[15]

Por seu turno, o Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, de 1945 estabelece, a um só tempo, a fé nos direitos fundamentais da pessoa humana e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Essa última diretriz encontra sua máxima e expressão nos artigos 55 e 56 da Carta, grafados nos seguintes termos:

Artigo 55

Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;

b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e

c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião.

Artigo 56

Para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.

 Foi, desde logo, constituída a Comissão de Direitos Humanos, com mandato especifico para o trato das questões pertinentes ao tema.

Por outro lado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, dedica todos os seus artigos finais ao tema do desenvolvimento, que ali se expressa mediante a consagração dos denominados direitos econômicos, sociais e culturais.

O tema só amadureceu, porém, no sistema das Nações Unidas a partir do lançamento do decênio para o Desenvolvimento, levado a efeito nos anos 60. Pertencem a essa década alguns dos momentos mais importantes da construção do direito ao desenvolvimento.

Inicialmente, a Resolução n. 1710, de dezembro de 1961, cria o Programa de Cooperação Econômica Internacional, que culmina com a realização, em 1964, da Conferencia das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento. Essa Conferência se transformou em órgão da Assembléia Geral da ONU e é conhecida pela sigla UNCTAD. No ano seguinte é lançado o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), igualmente qualificado como organismo da Entidade. Dentre as inúmeras responsabilidades do PNUD se encontra uma que é revestida da maior relevância para os estudiosos do tema do direito ao desenvolvimento. Trata-se da elaboração do INDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO.[16]

Em dezembro de 1966 são elaborados os dois Pactos adjetos à Declaração dos Direitos Humanos, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, sendo certo que este último proclama o desenvolvimento como um direito dos povos.

Quem por primeiro qualificou o tema como direito ao desenvolvimento foi o eminente Cardeal Leon Etienne Duval, Arcebispo de Argel, na conhecida mensagem de Ano Novo que dirigiu ao povo argelino em 1º de janeiro de 1969.[17]

Em dezembro desse mesmo ano de 1969 é proclamada, solenemente, a Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento Social, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, cujo art. 9 assim se acha averbado:

Artículo 9

El progreso y el desarrollo en lo social son de interés general para la comunidad internacional, que debe complementar, mediante una acción internacional concertada, los esfuerzos emprendidos en el plano nacional para elevar los niveles de vida de las poblaciones.

Percebe-se, de logo, que os povos,  em linha com a Gaudium et Spes (par. 77) saem do isolamento e se lançam a uma ação internacional concertada em favor do progresso e do desenvolvimento.

Em 1977, a Comissão de Direitos Humanos da ONU solicita ao Secretário Geral da Entidade um estudo acerca do direito ao desenvolvimento e, concretizando a sua iniciativa, até então meramente retórica, reconhece, por meio da Resolução n. 5, da março de 1979, a existência desse direito dos indivíduos e das nações.

No ano de 1981  será lavrada a certidão de nascimento – em perspectiva jurídica, naturalmente – do direito ao desenvolvimento.  Quem o proclama de modo solene é a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, conhecida como Carta de Banjul porque firmada naquela cidade de Gâmbia pelos integrantes da Organização da Unidade Africana e, em seguida, aprovada pela 18ª Conferencia de Chefes de Estado e de Governo em reunião celebrada no Quênia.

O preâmbulo do histórico documento assinala:

Convencidos de que, de futuro, é essencial dedicar uma particular atenção ao direito ao desenvolvimento; que os direitos civis e políticos são indissociáveis dos direitos econômicos, sociais e culturais, tanto na sua concepção como na sua universalidade, e que a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais garante o gozo dos direitos civis e políticos. (sublinhamos)

Como anota COMPARATO, o signo distintivo desse documento é a consideração dos povos, enquanto categoria coletiva, são os sujeitos do desenvolvimento, noção que, seguramente, comportará sem número de questionamentos jurídicos.[18]

Um ano depois, em dezembro de 1982, a Assembléia Geral das Nações Unidas, por intermédio da Resolução n. 37/199 proclama o direito ao desenvolvimento como um direito humano inalienável.

Para melhor aclarar o conteúdo do direito ao desenvolvimento, a ONU constituiu um Grupo de Trabalho de Especialistas Governamentais que, afinando seus pontos de vista, elaborou o projeto da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.

Proclamada pela Assembléia Geral, através da Resolução n. 41/128, de 4 de dezembro de 1986, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento foi adotada por 146 votos favoráveis. Houve um voto contrário e seis abstenções, o que revela a adesão de expressiva maioria da comunidade internacional.

Portanto, em perspectiva institucional, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento coloca termo perficiente ao ciclo de documentos históricos que configuram, na época atual, o conceito de direitos humanos.

Ainda no plano institucional, a Comissão de Direitos Humanos da ONU criou, em 1998, a figura do Expert Independente sobre o Direito ao Desenvolvimento.

Fixar, perante a comunidade internacional, o conceito do direito ao desenvolvimento parece ter sido a proposta de consenso que seus signatários resolveram inscrever na Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993. [19]

Percebe-se, pela redação do texto, que não poderiam estar pretendendo dimensão tão somente ética ao conteúdo da Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento. Tinham em mente dar efetividade ao amplo preceituário que nela restou elencado.

Hoje, por conseguinte, devem ser lembrados os termos daquele documento que configuram a definição, de modo claro e indiscutível, do direito ao desenvolvimento. Se tal direito não for assegurado, estarão sendo feridos os direitos humanos.

Assim se expressa a Declaração de Viena:

10. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimento, previsto na Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento, como um direito universal e inalienável e parte integral dos direitos humanos fundamentais.

Como afirma a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento.

Embora o desenvolvimento facilite a realização de todos os direitos humanos, a falta de desenvolvimento não poderá ser invocada como justificativa para se limitar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos.

Os Estados devem cooperar uns com os outros para garantir o desenvolvimento e eliminar obstáculos ao mesmo. A comunidade internacional deve promover uma cooperação internacional eficaz, visando à realização do direito ao desenvolvimento e à eliminação de obstáculos ao desenvolvimento.

O progresso duradouro necessário à realização do direito ao desenvolvimento exige políticas eficazes de desenvolvimento em nível nacional, bem como relações econômicas eqüitativas e um ambiente econômico favorável em nível internacional [20]

O Direito ao Desenvolvimento que duas Declarações expendidas pelos mais altos níveis de manifestação institucional da comunidade internacional resolveram garantir – trata-se de proclamações da Assembléia Geral, órgão máximo de deliberação da ONU, e da Conferencia Mundial, instância suprema de reflexão sobre os direitos humanos – objetiva outorgar a todo o homem os meios necessários à respectiva qualificação como personalidade, é dizer, como sujeito apto a realizar seus fins naturais e temporais neste mundo, sem prejuízo de seu direito à objetiva conquista do destino sobrenatural a que se acha vocacionado desde sempre.

Aqui chegamos a um ponto em que é preciso definir o direito ao desenvolvimento, na sua acepção mais abrangente.

6. A definição do direito ao desenvolvimento.

Para a compreensão do que tenho em vista expor aqui entendo pertinente a definição contida no Preâmbulo da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento

o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes

Rigorosamente, como assinala o texto em referência, o desenvolvimento é um processo, vale dizer a continuidade de caminhos, tão intimamente ligados que é difícil distingui-los, cujo percurso ocorre nas vias econômica, social, cultural e política, mas cujo fim conflui para um único destino: o incremento do bem estar de toda a população e de todos os indivíduos.[21]

Mas, como se encontram tais caminhos?

Por intermédio da participação daqueles que, sabendo de onde vieram e onde se encontram, definem o lugar a que pretendem chegar.

A participação ativa qualifica pessoas e populações como os verdadeiros sujeitos do desenvolvimento, como exprime o citado Programa de Ação de Viena, rimando com o artigo 2º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.

O conceito de sujeito do desenvolvimento origina-se, obviamente, do próprio conceito de pessoa humana, cujos travejamentos se encontram na parte inicial deste estudo. Conceito que está centrado na liberdade.

A participação dos sujeitos do desenvolvimento se baseia na liberdade sempre que pessoas e comunidades possam, sem opressões econômicas, sociais, culturais ou políticas conquistar o bem estar a que fazem jus, em igualdade de condições com todos os demais membros da família humana.[22]

As prerrogativas da liberdade são exercitáveis tanto como meio quanto como fim do desenvolvimento,  porque coladas à pessoa.

AMARTYA SEN assim explica:

 “As liberdades não são somente o principal fim do desenvolvimento, mas elas fazem parte também dos principais meios para atingi-lo.”. [23]

O sujeito desse direito chegará ao fim do caminho se e quando, como explicita o conceito em estudo, vier a se concretizar a distribuição justa dos benefícios decorrentes do desenvolvimento.

Liberdade dos meios significa que a escolha de determinado caminho não pode ser condicionada pelos programas de desenvolvimento ditados pelos que já chegaram a determinado estágio de desenvolvimento considerado melhor.

A liberdade a ser afinal conquistada coincide, segundo entendemos, com o programa traçado por ROOSEVELT na mensagem que encaminhou ao Congresso em janeiro de 1941. Nessa mensagem o Presidente proclama quatro liberdades (liberdade de opinião e de expressão; liberdade de culto; liberdade das privações e liberdade dos temores).

No que nos diz respeito a terceira das liberdades – freedom from want – significa que o homem estará livre das necessidades, entendida como a liberdade das coisas econômicas, para assegurar a qualquer nação uma saudável vida pacífica, garantida a todos os seus habitantes.[24]

Conquanto o discurso do Presidente norte-americano esteja ligado ao caminho econômico, pode-se bem ampliá-lo para os distintos terrenos nos quais podem operar os programas de desenvolvimento.

A pessoa humana tem direito – e, nesse sentido estamos tratando dos direitos humanos em geral, não apenas do direito ao desenvolvimento – ao sumo bem, vale dizer, à sua plena realização, como registra o ponto 33 da Carta da OEA. Essa natural vocação permite que a pessoa humana crie, percorrendo os caminhos que tem diante de si, o mundo que melhor atenda aos seus desejos e necessidades.

As formas (ou fórmulas) de que se valem os homens dependem somente do engenho humano. A participação ativa, livre e significativa de todos no processo de do desenvolvimento é essencial para que o mundo que disso resultar seja, de fato, o produto acabado dos lineamentos configurados pelo homem.[25]

Onde se integram todas as diferentes expressões do desenvolvimento senão no mundo criado pela humanidade mediante os distintos canais de participação.

Naturalmente, as instâncias políticas, econômicas e sociais internas dos distintos países armarão os atores sociais das prerrogativas pertinentes para que a escolha dos caminhos seja representativa da real vontade da maioria.

Como predicava aquele que foi um verdadeiro apostolo da participação:

“O segundo direito, ligado ao anterior, é o que tem cada homem de participar ativamente do processo do desenvolvimento. Não se trata, simplesmente, de receber passivamente os benefícios do progresso, mas de tomar parte nas decisões e no esforço para a sua realização. Em lugar de ser tratado como “objeto” das atenções paternalistas dos detentores do poder, o homem tem o direito de ser considerado pessoa consciente e responsável, capar de ser “sujeito” e “agente” no processo de desenvolvimento.”. [26]

 A chave para a configuração do conceito do Direito ao Desenvolvimento depende, portanto, do estabelecimento de canais de participação das pessoas na escolha dos caminhos aptos a proporcionarem o alcance de tais direitos.

Como seria extremamente complexa a elaboração de uma enquête mundial para a apuração do pensamento de todos a respeito desses caminhos, imaginemos que seja o bem comum se traduza no fim último buscado por todos.

Foi João XXIII quem, na Mater et Magistra conceituou o bem comum, ao ensinar que:

este compreende o conjunto de condições sociais que permitem e favorecem o desenvolvimento integral da personalidade.[27]

O que move o bem comum é a solidariedade. Sem solidariedade, na família, na comunidade, na nação e no universo todo não se chega a esse objetivo.

Ao comentar, à guisa de nota introdutória, o texto da Mater et Magistra, o notável ALCEU AMOROSO LIMA sublinha:

"A alma do Bem Comum é a Solidariedade. E a solidariedade é o próprio princípio constitutivo de uma sociedade realmente humana, e não apenas aristocrática, burguesa ou proletária. É um princípio que deriva dessa natureza naturaliter socialis do ser humano. Há três estados naturais do homem, que representam a sua condição ao mesmo tempo individual e social: a existência, a coexistência e a convivência. Isto vale para cada homem, como para cada povo e cada nacionalidade."[28]

A solidariedade decorre da interdependência existente entre a pessoa e a sociedade. Essa relação se intensifica cada vez mais pelo estabelecimento, cada vez mais freqüente, de laços econômicos e sociais entre distintos Estados dos quais seja, talvez, o melhor exemplo a União Européia.

Ora, a solidariedade, no ambiente dos direitos humanos, é de ser considerada um dever da comunidade internacional para com cada um de seus participes.

Dever que decorre das regras estampadas em diversos documentos internacionais, a começar da Carta das Nações Unidas, cujos artigos 55 e 56 expressamente cominam a respectiva implementação.

A solidariedade internacional é consagrada em sua maior expressão pelo próprio texto da Declaração Universal, cujo art. XXVIII assim proclama:

Artigo XXVIII.

Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Como se sabe, por força do compromisso internacional que assumiram, os signatários da Declaração deveriam complementar o arcabouço normativo do documento que, no momento histórico em que foi firmado, valia como primeira síntese substancial do conceito de direitos humanos.

Exprimindo a continuidade da proclamação de 1948, a Assembléia Geral expediu a Resolução n. 2.200-A, em dezembro de 1966 que editava o Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais. Esse instrumento, como se sabe, forma parte do arcabouço que, juntamente com a Declaração Universal e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (proclamado na mesma data pelos integrantes da ONU) conhecido como Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Rights).

Os Pactos foram estruturados à moda dos atos internacionais formais. Seus signatários se comprometeram a apreciar seus termos segundo os cânones e fórmulas estabelecidas pelo direito interno. Destarte, o Congresso Nacional ratificou o Pacto por intermédio do Decreto Legislativo n. 226, de dezembro de 1991, e o Poder Executivo o promulgou através do Decreto n. 591, de 1992.

O dever de cooperação se expressa com todas as letras no parágrafo 1º do art. 2º do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cujo teor é o seguinte:

Art. 2o - 1. Cada estado-parte no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

Portanto, como Paulo VI deixou bem claro, há um dever de solidariedade, um dever de justiça social e um dever de caridade universal que obriga a todos os membros das Nações Unidas. Esse dever é explicitado, claramente, no ponto 44 da Populorum Progressio, que proclama:

 44. Este dever diz respeito, em primeiro lugar, aos mais favorecidos. As suas obrigações enraízam-se na fraternidade humana e sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspecto: o do dever de solidariedade, ou seja, o auxílio que as nações ricas devem prestar aos países em via de desenvolvimento; o do dever de justiça social, isto é, a retificação das relações comerciais defeituosas, entre povos fortes e povos fracos; o do dever de caridade universal, quer dizer, a promoção, para todos, de um mundo mais humano e onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros. O futuro da civilização mundial está dependente da solução deste grave problema.

Capacitemo-nos bem! A cooperação internacional exigida pela Carta das Nações Unidas se expressa, não apenas na ordem moral. Seu fundamento jurídico se encontra na própria Carta das Nações Unidas.

É impositivo o dever de solidariedade entre os povos, segundo as responsabilidades internacionais que obrigam a cada qual na medida das respectivas posições políticas e estratégicas no mundo.

A exigência de colaboração entre todos os povos, sob a óptica da solidariedade,  ganha ênfase no seguinte trecho da Mater et Magistra:

Assim, as comunidades políticas, separadamente e com as próprias forças, não têm já possibilidade de resolver adequadamente os seus maiores problemas dentro de si mesmas, ainda que se trate de nações que sobressaem pelo elevado grau e difusão da cultura, pelo número e atividade dos cidadãos, pela eficácia dos sistemas econômicos, e pela extensão e riqueza dos territórios. Todas se condicionam mutuamente e pode, mesmo, afirmar-se que cada uma atinge o próprio desenvolvimento, contribuindo para o desenvolvimento das outras. Por isso é que se impõem o entendimento e a colaboração mútuos[29]

Se pensarmos na estruturação formal da ONU é de se cogitar do dever particularmente grave cominado aos cinco primeiros integrantes do Conselho de Segurança, objeto do art. 23 da Carta da Organização, que tudo podem no interior do organismo internacional. Pois bem. Nesses cinco já se percebe a primeira resistência à implementação do Direito ao Desenvolvimento. Os Estados Unidos votaram contra a Declaração de 1986 enquanto a França e o Reino Unido, preferiram o caminho da abstenção.  A Rússia é favorável mas pouco pode fazer enquanto não resolver seus próprios problemas. E a Republica Popular da China segue sendo uma grande incógnita.

Não seria um bom pré-requisito para a admissão dos demais membros, pois, o Conselho de Segurança é integrado por outros dez paises, que esses fossem escolhidos dentre aqueles que, sem restrições, pugnam pelo desenvolvimento?

O embate entre os povos da fome e os povos da opulência é, pode-se dizer, o maior dos obstáculos à implementação do Direito ao Desenvolvimento.

Isso significa que o mundo ainda não atingiu a maturidade capaz de impor a cooperação como fórmula necessária de convivência universal.

Nestas condições, o dever de solidariedade, ainda que formalmente expresso nos documentos que configuram a Carta Internacional dos Direitos Humanos não encontra seu pleno cumprimento.

Homens de boa vontade intentam retirar o assunto do plano retórico onde o querem deixar os povos da opulência.

Assim é que o Ministro do Exterior da Noruega, Sr. T. Stoltetenberg propugnou pela adoção de um pacto de desenvolvimento, idéia que ganhou a adesão de diversos especialistas e que figurou no Relatório sobre Desenvolvimento Humano. Posteriormente, o Expert Internacional designado pelas Nações Unidas para cuidar do Direito ao Desenvolvimento, Professor ARJUN SENGUPTA, elaborou a proposta de um Pacto de Desenvolvimento.[30]

Esclarecem E.S. NWAUCHE e J.C. NWOBIKC, que o Expert da ONU baseou sua proposta na concepção do desenvolvimento que toma os direito humanos como sua base estrutural e conceitual[31].

Ora, o desenvolvimento, como percebemos pelo conceito até aqui adotado, é precisamente o instrumental capaz de habilitar a pessoa humana para que esta alcance o melhor dos seus atributos, a dignidade.

Não será atingido o verdadeiro desenvolvimento se aqueles a quem compete fomentá-lo estabelecem exigências que sobrecarregam ainda mais os povos que padecem com os males da miséria, da fome e da opressão.

O Expert das Nações Unidas constata que:

 “os programas existentes para implementar o direito ao desenvolvimento impõem condições aos paises em desenvolvimento, sem a contrapartida de obrigações recíprocas por parte da comunidade internacional.”[32]

Desse modo, a comunidade internacional é a maior responsável pela manutenção do status quo no qual procura sobrepor o econômico ao social, fazendo este depender daquele, e tentando por todos os modos impor suas próprias receitas. Lamentavelmente, é acolitada pelas estruturas de controle das economias que criou, notadamente aquelas que se acham ligadas ao sistema das Nações Unidas.

Dentre as instituições internacionais que mais atentaram, ao longo de sua existência contra o direito ao desenvolvimento não se pode deixar de citar o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Como veremos adiante, pelo menos o primeiro intenta modificar seu comportamento.

O desenvolvimento exige que a comunidade internacional seja ordenada a partir da pessoa, a fim de que o homem sempre possa se exprimir pelo que representa, segundo os ditames de sua consciência, necessidade, direitos e deveres.

Depois do ataque sem quartel dos já referidos organismos internacionais, agora a humanidade se vê diante dos problemas pertinentes à globalização.

JOSÉ EDUARDO FARIA constata:

Parte significativa do direito positivo do Estado-nação, por exemplo, hoje vem sendo internacionalizada pela expansão da lex mercatoria e do direito da produção e por suas relações com as normas emanadas dos organismos multilaterais (Santos, 1995). Outra parte, por sua vez, vem sendo minada pela força constitutiva de situações criadas pelos detentores do poder econômico; e, como conseqüência, vem sendo substituída pelo veloz crescimento do número de normas privadas, no plano infranacional, à medida em que cada corporação empresarial tende a criar as regras de que precisa e a jurisdicizar suas respectivas áreas e espaços de atuação segundo suas conveniências. A desregulamentação e a deslegalização em nível do Estado significam, desta maneira, a reregulamentação e a relegalização em nível dos próprios sistemas sócio-econômicos (Santos, 1995); mais precisamente, em nível das organizações privadas capazes de efetuar investimentos produtivos, oferecer empregos, gerar receita tributária, impor comportamentos etc.[33]

Percebe-se que a legislação dos paises, com o processo de globalização, vaio cedendo passo a imposições das multinacionais. Assim, o deus Mercado vai dominando a cena, impondo seus comportamentos.

Não haverá, por conseguinte, direitos humanos praticamente válidos e eficazes se os Estados não foram tratados pela comunidade internacional segundo suas próprias características e se as transnacionais dominarem o mundo.

A resposta dos direitos humanos é a da imposição do dever de justiça social.

É evidente que não existe acordo entre a lei do mercado e a lei da justiça. Tampouco pode existir acordo entre o direito da produção e o direito da proteção social. O desacordo exige que as Nações Unidas tomem partido a favor dos documentos que foram expedidos sob a sua égide.

Parece que assumindo o papel que lhe cabe, as Nações Unidas deram o primeiro grande passo no rumo da implantação do direito ao desenvolvimento.

A primeira importante iniciativa consistiu na convocação, pela Assembléia Geral, da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, que se reuniu no ano de 1995 na cidade de Copenhague.

Esse conclave, do qual tomaram parte numero expressivo de países, exarou dois instrumentos: a Declaração sobre o Desenvolvimento Social e o Programa de Ação da Cúpula de Copenhague.

Da Declaração retiramos o seguinte escólio:

Partilhamos a convicção de que o desenvolvimento social e a justiça social são indispensáveis para o aquisição e a manutenção da paz e da segurança nas nações e entre elas. Por sua vez, o desenvolvimento social e a justiça social não podem ser alcançados se não existe paz e segurança ou se não são respeitados todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Esta interdependência básica foi reconhecida há 50 anos na Carta da ONU e cada vez se reforça mais.

O desenvolvimento que as declarações, os pactos, os convênios, os compromissos e os programas de ação devem garantir e a comunidade internacional deve implementar visam conferir dignidade ao homem. Mas são, sobretudo instrumentos para a paz.

Aqui estamos preparados para responder à pergunta que nos fazíamos no inicio destas cogitações: que desenvolvimento?

Resposta que nos dá Paulo VI quando abre a parte final da Populorum Progressio com a assertiva que pode valer como verdadeira ementa para o tema do direito ao desenvolvimento: desenvolvimento é o novo nome da paz.

 Sem esclarecer o significado da expressão, o Papa lança o desafio sob a forma de uma questão: Porque, se o desenvolvimento é o novo nome da paz, quem não deseja trabalhar para ele com todas as forças?

Dando resposta a esse inquietante questionamento, a Declaração de Copenhague afirma que a erradicação da pobreza é “imperativo ético, social, político e econômico”. Percebem seus signatários, ainda, que a globalização econômica amplia a desigualdade existente no mundo e chega à conclusão que o caminho do desenvolvimento é o da justiça social.

Como que criando a agenda do desenvolvimento, os paises reunidos na Cúpula de Copenhague assumem os seguintes compromissos:

1.     Criação de um ambiente econômico, político, social, cultural e legal que permitirá as pessoas alcançarem o desenvolvimento social;

2.     Erradicação absoluta da pobreza com o estabelecimento de metas para cada país;

3.     Emprego universal como uma meta política básica;

4.     Promover a integração social baseada na promoção e proteção dos direitos humanos de todos;

5.     Igualdade entre os gêneros;

6.     Acesso igualitário e universal a educação e serviços de saúde primários;

7.     Acelerar o desenvolvimento da África e países menos desenvolvidos;

8.     Assegurar que programas de ajuste estrutural incluam metas de desenvolvimento social;

9.     Aumentar os recursos destinados ao desenvolvimento social;

10.  Fortalecer a cooperação para o desenvolvimento social através da ONU.

A leitura do art. 8º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento se revela a notável coincidência entre os compromissos de Copenhague e os direitos nele catalogados, que assim se encontram adnumerados:

Artigo 8

1.    Os Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para todos, no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa da renda. Medidas efetivas devem ser tomadas para assegurar que as mulheres tenham um papel ativo no processo de desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais.

2.    Os Estados devem encorajar a participação popular em todas as esferas, como um fator importante no desenvolvimento e na plena realização de todos os direitos humanos.  

O impacto imediato da Cúpula do Desenvolvimento Social ocorreu no lugar onde menos se fazia esperar: o Banco Mundial.

Com efeito, antes mesmo da etapa de avaliação dos desdobramentos da Cúpula, o Banco Mundial já começou a cogitar da sua participação no processo de desenvolvimento que, desde então, se encadeava.

E, efetivamente, em 1997 cogita do assunto e em 1998 lança o Arcabouço Geral para o Desenvolvimento(Comprehensive Development Framework – CDF) que passa a representar a mudança da compreensão do Banco sobre os meios e modos pelos quais deve atuar em favor do desenvolvimento, notadamente cuidando do enfrentamento da pobreza e da reflexão sobre a arquitetura financeira internacional que, a seu modo, mantém a enorme distancia entre os povos da fome e os povos da opulência.[34]

Paralelamente, a ON, em 1999, instituiu, por decisão da Assembléia Geral, o Marco das Nações Unidas para o Desenvolvimento,[35] cujo escopo consiste na redução da pobreza, na melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda e no maior acesso aos serviços básicos.

As avaliações oficial a respeito dos resultados da Cúpula de Copenhague, são realizadas periodicamente pela Assembléia Geral das Nações Unidas e, no seio do

Conselho Econômico e Social (ECOSOC), a Comissão de Desenvolvimento Social recebeu mandato para examinar o andamento dos três assuntos prioritários da agenda da Cúpula, a saber: a] erradicação da pobreza; b] promoção do pleno emprego e; c] fomento à integração social.[36]

Na mais importante das iniciativas tomadas para a garantia do direito ao desenvolvimento, as Nações Unidas convocaram a denominada Cúpula do Milênio, que reuniu, no ano 2000, representantes de 189 paises e fixou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Millennium Development Goals) até o ano de 2015.

O roteiro da Cúpula foi dado pelo relatório do então Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, Sr. Kofi Annan intitulado “Nós, os Povos, o Papel das Nações Unidas no Século XXI”.[37]

 Os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) são os seguintes:

1.   Erradicar a extrema pobreza e a fome

2.   Atingir o ensino básico universal

3.   Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres

4.   Reduzir a mortalidade infantil

5.   Melhorar a saúde materna

6.   Combater o HIV/aids, a malária e outras doenças

7.   Garantir a sustentabilidade ambiental

8.   Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento

O Brasil tem produzido relatórios anuais a respeito [38]

Em linhas gerais, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio coincidem com as propostas contidas na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.

A meta-síntese da erradicação da fome no mundo merecera de Paulo VI, na Populorum Progressio, o seguinte registro:

"Se um irmão ou uma irmã estiverem nus, diz são Tiago, e precisarem do alimento cotidiano e algum de vós lhes disser: ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos, sem lhes dar o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?".(48) Hoje ninguém pode ignorar que, em continentes inteiros, são inumeráveis os homens e as mulheres torturados pela fome, inumeráveis as crianças subalimentadas, a ponto de morrer uma grande parte delas em tenra idade e o crescimento físico e o desenvolvimento mental de muitas outras correrem perigo. E todos sabem que regiões inteiras estão, por este mesmo fato condenadas ao mais triste desânimo.”[39]

No Relatório que preparou para o balanço dos cinco anos da Cúpula do Milênio, o Secretário-Geral trabalha com “Um conceito mais amplo de liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos humanos para todos”. [40]

A Cúpula do Milênio deu ensejo a que se convocasse, oportunamente, em março de 2002, a Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento que teve lugar em Monterrey.

Dessa reunião resultou o denominado Consenso de Monterrey que poderia ter sido o primeiro passo no necessário entendimento entre a comunidade doadora e os países beneficiários da ajuda, principalmente, na fixação de patamares de cooperação mais efetiva, em cumprimento às diretrizes do direito ao desenvolvimento.

Ora, as organizações independentes fixaram, de certo modo, os pressupostos para que os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio possam ser atingidos nos termos do cronograma aprovado pela comunidade internacional.

Entre as pré-condições indispensáveis para a conquista dos Objetivos do milênio estão o cancelamento da divida externa dos paises mais pobres e a fixação do percentual de 0,7 do PIB como o valor da assistência oficial dos povos da opulência aos povos da miséria.

Em nenhum desses dois pontos Monterrey revelou qualquer consenso. Só para falar do segundo, a União Européia resolveu elevar a sua percentagem dos 0,33 do PIB de hoje para 0,39 em 2006, demonstrando que a retórica continua dominando boa parte do discurso nas cúpulas internacionais.[41]

Conclusão.

Respondendo, ainda que provisoriamente, à questão que nos formulávamos na parte inicial deste estudo e passando em revista os períodos e documentos que trabalham o tema do direito ao desenvolvimento, recordemos, ainda uma vez com Paulo VI, que o desenvolvimento consiste na:

“a passagem, para cada um e para todos, de condições de vida menos humanas para condições mais humanas” ·.

Ora, essa passagem só pode ser animada pela solidariedade.

Como opera a solidariedade? Mediante a participação de todas as pessoas no conjunto de bens disponíveis no mundo. A partilha de tais bens deve levar em conta o ideário da justiça social em cuja balança não são admitidas medidas discriminatórias. Os bens são de todos e para todos. Alguns não podem ser beneficiados à custa da privação dos demais.

Paulo VI conferiu a esse estágio ideal da solidariedade um belíssimo nome: civilização do amor. A solidariedade é condição sem a qual não será conquistado o direito ao desenvolvimento.

Como se pode interpretar, com efeito, o seguinte comando expresso na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento?

 Artigo 4

Os Estados têm o dever de, individual e coletivamente, tomar medidas para formular as políticas internacionais de desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena realização do direito ao desenvolvimento.

1.    É necessária ação permanente para promover um desenvolvimento mais rápido dos países em desenvolvimento. Como complemento dos esforços dos países em desenvolvimento, uma cooperação internacional efetiva é essencial para prover esses países de meios e facilidades apropriados para incrementar seu amplo desenvolvimento.

A única interpretação possível; o único caminho que se enxerga é o da solidariedade na qual os membros da sociedade se reconhecem como pessoas.

Prestando justa homenagem a Paulo VI no transcurso dos vinte anos do lançamento da Populorum Progressio o saudoso Papa João Paulo II lançou, em 1987, a Encíclica Sollicitudo rei socialis na qual explica a mecânica da solidariedade:

39. A prática da solidariedade no interior de cada sociedade é válida, quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas. Aqueles que contam mais, dispondo de uma parte maior de bens e de serviços comuns, hão-de sentir-se responsáveis pelos mais fracos e estar dispostos a compartilhar com eles o que possuem. Por seu lado, os mais fracos, na mesma linha de solidariedade, não devem adoptar uma atitude meramente passiva ou destrutiva do tecido social; mas, embora defendendo os seus direitos legítimos, fazer o que lhes compete para o bem de todos. Os grupos intermédios, por sua vez, não deveriam insistir egoisticamente nos seus próprios interesses, mas respeitar os interesses dos outros.[42]

O direito ao desenvolvimento está assentado sobre uma pedra triangular composta de aspectos que se completam: a justiça, a solidariedade e a paz.


*Wagner Balera é Professor Titular de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

[1] Beato João XXIII, Carta Encíclica Pacem in Terris, de  11 de abril de 1963, sobre a paz de todos os povos na base da verdade, da justiça, da caridade e liberdade, ponto 9   in  http://www.joaosocial.com.br/enciclicas/pacem.html

[2]  Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje, elaborada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II e promulgada por Paulo VI, in Vaticano II, mensagens, discursos, documentos, Paulinas, São Paulo, 1998, pontos 24 e 25.

[3]  Ninguém em nossa época revela tanto essa distinção entre a individualidade e a personalidade como o astrofísico britânico Stephen Hawkins, de 65 anos, catedrático de matemática na Universidade de Cambridge. Aafetado há 22 anos pela doença de Charcot, que o paralisa progressivamente e o impede de falar, se desloca em uma cadeira de rodas e se comunica por meio de um computador e um sintetizador vocal, o que não o impediu de realizar trabalhos complexos sobre os buracos negros, por exemplo, ou tentar unificar as diferentes teorias da física.  O seu livro Uma breve história do tempo é dos mais influentes de nossa época.

[4]  Cf. Amartya Sen, Desenvolvimento como liberdade, Companhia das Letras, 2004, p. 55.

[6]PAULO, VI, Carta Encíclica Populorum progressio, de 26 de março de 1967, ponto 33, in  http://www.joaosocial.com.br/enciclicas/populorum.html , ponto 33.

[7]  JACQUES MARITAIN, Os direitos do homem e a lei natural, p. 22.

[8]  Como afirmei no livro “A Seguridade Social na Constituição de 1988”, RT, São Paulo, 1989 e como, igualmente a denominou MOZART VICTOR RUSSOMANO. “oficialização da caridade” 21 in Curso de Previdência Social. Rio de Janeiro: Forense. 1978, p. 12-13.

[9]  PAUL-EUGÈNE CHARBONNEAU, Desenvolvimento dos Povos, Editora Herder, São Paulo, 1967,  p.203.

[10]  O texto integral da Carta da Organização dos Estados Americanos se encontra estampado no sitio da Instituição:

http://www.oas.org/juridico/portuguese/carta.htm, a que tivemos acesso em 17/10/2007.

[11]  Os paises membros ratificam, formalmente, a Carta. O Brasil operou essa introdução do instrumento em nosso ordenamento jurídico por intermédio do Decreto Legislativo n. 64, de 1949.

[12]  GERMÁN J. BIDART CAMPOS, Teoria general de los derechos humanos, Buenos Aires, Astrea, 1991, p. 207.

[13]  Populorum Progressio, citada, ponto 8.

[14]  Esse é, também, o pensamento de AGUSTIN GORDILLO, Derechos Humanos, Buenos Aires, Fundación de Derecho Administrativo, 4ª edición, 1999, p. III-10.

[15]  A Declaração de Filadélfia figura como anexo à Constituição da Organização Internacional do Trabalho

[16] A WIKIPÉDIA http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano assim define o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH):  é uma medida comparativa de riquezaalfabetizaçãoeducaçãoesperança de vidanatalidade e outros fatores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente bem-estar infantil. 

[17]  Apud ANTONIO CELSO ALVES PEREIRA,  O direito ao desenvolvimento no contexto dos direitos humanos, in Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Ano XLV, n. 77/78, 1992, p. 29. Leon Etienne Duval (1903-1996), Cardeal Presbitero do Titulo de Santa Balbina foi Arcebispo de Argel na época da libertação do domínio francês. São conhecidas suas reflexões sobre os temas da paz e do desenvolvimento.

[18]  FABIO KONDER COMPARATO,  A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, São Paulo, Saraiva, 4ª edição, 2005, p. 391

[19]  A Declaração e Programa de Ação de Viena foram adotados consensualmente pelo plenário da Conferencia Mundial dos Direitos Humanos realizada naquela cidade. A Conferência é o espaço no qual se reflete a respeito da situação dos direitos humanos ao redor do mundo.

[21]  Como observa PAULO VI, o desenvolvimento que se espera e se deseja será, sempre, o objetivo a ser alcançado pelo humanismo integral, quer dizer, aquele desenvolvimento integral: “do homem todo e de todos os homens”. Vide ponto 42 da Encíclica Populorum Progressio.

[22]  Cf., infra, a noção de desenvolvimento integral presente na Carta da OEA.

[23]   AMARTYA SEN, Desenvolvimento como liberdade, tradução de Laura Teixeira Mota, São Paulo, Companhia das Letras, 4ª reimpressão, 2004, p. 71.

[24] The third is freedom from want — which, translated into world terms, means economic understandings which will secure to every nation a healthy peacetime life for its inhabitants - everywhere in the world. (da Mensagem ao Congresso, in http://www.feri.org/common/news/details.cfm?QID=2089&clientid=11005)

[25]  As circunstancias podem exigir, naturalmente, reformulações não apenas no que concerne ao catálogo dos direitos humanos como, igualmente, nos objetivos a serem atingidos pelo desenvolvimento. Como assinala JORGE MIRANDA: “...na verdade, precisamente por os direitos fundamentais poderem ser entendidos, prima facie, como direitos inerentes à, própria noção de pessoa, como direitos básicos da pessoa, como os direitos que constituem a base jurídica da vida humana no seu nivele actual de dignidade, como as bases principais de situação jurídica de cada pessoa, eles dependem das filosofias políticas, sociais e econômicas e das circunstancias de cada época e lugar” (in Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra, 3ª edição, 2000, p. 31).

[26]  A.FRANCO MONTORO, Estudos de Filosofia do Direito, São Paulo, Saraiva, 2ª edição, 1995, p. 56.

[27] JOÃO XXIII, Encíclica Mater et Magistra, sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã, de 15 de maio de 1961.  ponto 65, inhttp://www.joaosocial.com.br/enciclicas/materetmagistra.html. Também na Pacem in Terris, já aqui citada, ponto 55, o mesmo Romano Pontífice deixou assinalado: Mais ainda, as características étnicas de cada povo devem ser consideradas como elementos do bem comum. Não lhe esgotam, todavia, o conteúdo. Pois visto ter o bem comum relação essencial com a natureza humana, não poderá ser concebido na sua integridade, a não ser que, além de considerações sobre a sua natureza íntima e sua realização histórica, sempre se tenha em conta a pessoa humana.

[28]   ALCEU AMOROSO LIMA, "Introdução" à Encíclica Mater et Magistra, do Papa João XXIII, Rio, José Olympio Editora, 1963.

[29]  Mater et Magistra, citada, ponto 201.

[30]  Cf. E.S. NWAUCHE e J.C. NWOBIKC, Implementação do Direito ao Desenvolvimento, in SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos 2, p. 96-117, que também pode ser acessada na versão eletrônica:http://www.surjournal.org/conteudos/artigos2/port/artigo_nwobike.htm

[31]  Op. loc. cit.

[32]  Op. loc. cit. p. 99

[33] JOSÉ EDUARDO FARIA, Direitos Humanos e globalização econômica: notas para uma discussão

Direito, Estado e Sociedade, São Paulo, n. 12, p. 105-116, 1998.

[34]  Cf. o sitio do Arcabouço Geral para o Desenvolvimento

[35]  Resolução n. 53/192, da Assembléia Geral das Nações Unidas.

[36] Confira-se o informe no sitio da Organização das Nações Unidas relativo ao primeiro decênio da Cúpula:http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N05/261/97/PDF/N0526197.pdf

[37]  O Secretário Geral lembra nesse texto (A/54/2000), que recorreu às palavras iniciais da Carta das Nações Unidas para por em relevo a importância dos objetivos que, no seu entender estão sumariados no aperfeiçoamento do triangulo: desenvolvimento, liberdade e paz.  Não é demais sublinhar que essa trilogia está em linha não apenas com a Populorum Progressio, de 1967, como com as reflexões de AMARTYA SEN (Desenvolvimento como liberdade).

[38] http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/download/TerceiroRelatorioNacionalODM.pdf

[39]  Populorum Progressio, citada,  ponto 45.

[41] Para uma breve reflexão sobre o fracasso de Monterrey leia-se BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, in http.//www.ces.uc.pt/opiniao/bss/047en.php

[42]  JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis, de 30 de dezembro de 1987, pelo vigésimo aniversário da Populorum Progressio, inhttp://www.joaosocial.com.br/enciclicas/sollicitudo.html, ponto 39.