FARIA COSTA
“O PROVEDOR NÃO TEM DE ESTAR EM CONFLITO COM AS INSTITUIÇÕES"
06/11/13
Faria Costa garante que vai ser um Provedor "extraordinariamente preocupado" e diz que só atuará quando tiver de ser. Como prioridades, elege os imigrantes, os reclusos e outras pessoas institucionalizadas
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Dois meses depois de ter tomado posse,o novo Provedor de Justiça a considera que tem os poderes suficientes e recusa a politização do cargo. Aos que lhe apontam um perfil demasiado académico, Faria Costa responde que assume sem medo "a nobre missão política". E garante que vai responder sempre às cerca de 20 mil queixas que recebe por ano.
Na sua tomada de posse,referiu a necessidade de se perceber os sinais de tempo.Que sinais são estes?
Os sinais são tudo aquilo que se pode entender relativamente ao nosso tempo, ou melhor, relativamente a uma certa temporalidade. Vivemos numa sociedade hipercomplexa, cheia de paradoxos; uma sociedade com antagonismos,que pode apresentar dimensões de rutura em muita coisa. Devemos estar despertos, com sensibilidade acrescida para situações de crise. Perceber a Provedoria, como perceber qualquer outra magistratura em tempo de crise, não é a mesma coisa que perceber a Provedoria ou outra magistratura, ou a Administração, ou a judicatura em tempos de abundância. |
Que postura vaiter enquanto Provedor perante esses sinais?
Vou ser um Provedor extraordinariamente preocupado. A intervenção faz-se em função das necessidades conjunturais, e não como qualquer coisa em que se possa dizer à partida: "Eu vou ser um Provedor interventor." O Provedor tem de estar atento, não para ficar imóvel, mas,sobretudo,para atuar quando tiver que atuar.Não tenho como pano de fun do e como Leitmotiv o ser interventor. Não é essa a minha maneira de ser num cargo desta natureza. Serei interventor quando tiver que o ser.
E vai ser um Provedor preocupado com a visibilidade que os media podem dar ao cargo?
Não. Vou ser um Provedor que vai ten tarlevar a cabo um mandato onde desempenhe da melhor forma possível e consequente o seu cargo. Os media são elementos absolutamente essenciais na vida democrática e respeito-os como um dos pilares fundamentais da demo craticidade. Mas não vou estar à espera de uma eventual qualquer ressonância benéfica dos media para atuar. Vou atuar em consonância com aquilo que considere justo e correto e, como disse na tomada de posse,de forma serena e convicta. Serenidade e convicção nos atos.
O MAIOR NÚMERO
DE QUEIXAS SITUA-SE
NA ÁREA SOCIAL |
O seu antecessor defendia ser funda mental um gabinete de imprensa na Provedoria...
Não quero fazer qualquer espécie de comparação.Tudo aquilo que os Senho res Provedores que me antecederam fizeram, fizeram-no bem. Esse é o pano de fundo. Simplesmente, entendo que a Provedoria pode ser conhecida não necessária, exclusiva e determinantemente através de um gabinete de imprensa, mas através de outras formas.
Os portugueses sabem quem é o Provedor de Justiça?
Sabem cada vez mais. Se temos 21 mil queixosos por ano, é porque sabem.
E conhecem as competências do Provedor?
Têm uma consciência cívica suficientemente forte para saber que se podem dirigir ao Provedor para resovl er problemas atinentes aos seus direitos fundamentais, mesmo não tendo o conhecimento das competências de maneira exata. Os cidadãos precisam de saber que existe um órgão do Estado, com raiz constitucional que, indubitavelmente,está ao seu lado para sentir as suas queixas e as suas "lamentações". Para as ouvir e tentar so lucionar os prob emas levantados nessas queixas e "lamentações".
Os poderes do Provedor são os suficientes e adequados?
São. As instituições têm sempre uma matriz histórica. A instituição do Om budsman nasce com esta matriz. E estou absolutamente convicto de que os poderes são suficientes, porque tem um poder fortíssimo de recomendar, de sugerir, sobretudo, uma instiuição que desencadei a um magistério de influência. Isso é bom.
Estamos a falar de recomendações que não são vinculativas.
Não são, nem têm de ser. A força do Provedor está precisamente nisso; o Provedor não julga, não governa, não legisla, mas vai mais fundo e mais além.
E pode impor prazos para a Administração Pública responder?
Pode e faz. Neste horizonte de magis tério de influência, tem de haver bom senso e compreensão e cumplicidade. Apesar de estar no cargo há apenas dois meses, tenho sentido, por parte da Administração central uma voz de indiscutível cooperação com a Provedoria.
Sente que as recomendações do Provedor são acatadas?
Sim, sem dúvida, e isso é um ponto que não quero dexi ar de salientar.
Qual é o perfil do queixoso?
É tão heterogéneo! Desde situações simples, tocantes, até ao queixoso que é sustentado em pareceres jurídicos mais elaborados do ponto de vista da juridicidade. Exemplo de simplicidade: o caso de uma pessoa que se queixa do ruído, e nós, citadinos, quando ouvimos falar de ruído pensamos logo em discotecas. Porém, pode vir simplesmente de alguém que fez um pequeno investimento num turismo rural. Um casal de estrangeiros foi passar um fim de semana a um turis mo rural e o sino da aldeia começou a tocar às 5 da manhã. As pessoas ficaram descontentes e disseram que não torna vam a ir para lá. E aqui temos uma coisa mínima, um miniconflito: os paroquia nos, que querem o sino, a senhora que fez o investimento rural a dizer que não se importa mas que os clientes se importam e lhe fogem porque o sino começa a tocar às 5 ou 6 da manhã. Assim que cheguei, tive também a queixa de um senhor de 88 anos que deixou o carro em cima de qualquer coisa que seria tudo menos um passeio. Veio a polícia municipal, que considerava que aquilo era um passeio, e por isso aplicou-lhe uma coima. Este senhor pedia, por isso, a intervenção do Provedor para este se pronunciar sobre a natureza da infração. Temos casos tão banais como este até casos de juridicidade hipercomplexa, nomeadamente quando toca a proble mas de pensões, de fiscalidade, que são matérias altamente técnicas.
O Provedor responde sempre?
Sempre.
E têm capacidade de resposta para as cerca de 20 mil queixas por ano?
Fazemos todos os possíveis e os impossíveis. Tenho aqui senhores e senhoras servidores do Estado (assessores) que são pessoas altamente dedicadas e em penhadas e que, indubitavelmente, têm um trabalho exaustivo. Para além da quantidade, há os problemas específicos de juridicidade complexa. Repito: ques tões de fiscalidade, da segurança social, de urbanismo, questões relativas ao di reito penitenciário. Só para enunciar algumas. Se me perguntar se gostaria de ter mais assessores, obviamente que sim, e não é tê-los por ter, mas porque acho que assim poderíamos fazer um trabalho mais consequente. No entanto, são os sinais dos tempos. E não posso, não devo, pedir um aumento do quadro quando estamos numa situação de crise.
Mas é a mesma situação de crise que leva a um aumento do número de queixas.
Este é um dos paradoxos da nossa vida, temos mais queixas porque há crise e porque há crise não podemos ter mais recursos humanos.
A área social é a que motiva mais queixas?
Neste momento, o maior número de queixas que entra na Provedoria prende se com a área social.
E no campo da Justiça?
Temos de separar as águas de uma for ma clara. Tudo aquilo que é relativo à juridicidade, que é um ato estritamen te judicial, está fora da minha alçada. Não posso, não quero, não devo tocar. Tudo aquilo que possa ter componentes de constitucionalidade e componentes administrativas da própria Justiça, en tão aí eu posso atuar, não obstante o Conselho Superior da Magistratura ter uma palavra a dizer.
Estamos a falar de morosidade dos processos...
Sim, e estamos a falar do comportamen to de toda a estrutura dos tribunais . Imagine que, por exemplo, se detetam situações de morosidade relativa à ad ministração dos próprios tribunais que não relativamente a atos estritamente jurisdicionais. Aí, com grande cautela
e chamando o Conselho Superior da Magistratura, o Provedor pode e deve agir. Desde a audição no Parlamento, passando pela minha tomada de posse, sempre disse e continuarei a dizer que há que separar claramente os poderes; há um poder legislativo, um poder judi cial e um poder executivo. E há depois o poder do Provedor. E este poder do Provedor é qualquer coisa de muito interessante, porque, em certa compreensão das coisas, é uma determinada rutura com a visão clássica dos três poderes. É um poder que aparentemente não tem capacidade de intervenção, mas que, devido às circunstâncias do aprofundamento da democracia, vai tendo cada vez mais capacidade de intervenção. Estamos num domínio muito perto do soft law, o qual, como se sabe, também é absorvido pelas áreas tradicionais do Direito.
Mas para que esse soft law tenha consequências é preciso que as entidades públicas acatem as recomendações do Provedor...
OS HOSPITAIS
PSIQUIÁTRICOS SÃO
UMA ÁREA ALTAMENTE
SENSÍVEL |
Obviamente. como o direito interna cionalpúblico. As decisões dependem da força institucional de quem as dá e de as circunstâncias históricas as poderem ou não absorver. A minha geração sempre pensou o Direito como uma manifestação onde a ausência de força coativa era a degenerescência do próprio Direito. O Direito é uma heteronomia que se impõe em circunstâncias que, de uma forma ou de outra, implicam uma certa coação. O século XXI começa a trazer outra forma de percebermos o Direito. Cada vez mais se veem situações onde a tentativa de resolução do conflito não se faz através dos órgãos formais do Estado, mas antes por meio de órgãos informai s. Tudo isto se insere num caldo cultural que está completamente a mudar. E é este caldo cultural que faz com que o Provedor se possa empenhar cada vez mais, e cada vez mais intensamente, no que toca às coisas da vida e do quotidiano.
E o aparelho do Estado está preparado para esta nova abordagem?
O aparelho do Estado nunca está prepa rado para nada e está preparado para tudo. É a história que vai afeiçoando e caldeando. Isto não é qualquer coisa que seja uma prêt-à- porter. qual quer coisa que se vai fazendo, que a história vai caldeando com avanços e recuos e com a tenacidade que as pessoas têm de colocar no desempenho do cargo de Provedor.
O senhor foi sempre um académico, como é que é ocupar um cargo em que lida com a vida real? Não poderá ser um obstáculo?
Somos julgados muitas vezes por aquilo que fazemos e por aquilo que os outros pensam que não somos capazes de fazer. Isto é muito interessante. Se tivesse sido sempre político, esse facto seria, poderia ser, um óbice. Fui um académi co e continuo a sê - lo. Volto a dizer que não sou Provedor, estou como Provedor porque estamos todos de passagem nos cargos . É este princípio republicano de alternância constante que f az o sen tido democrático das coisas . Fui um académico sempre interessadíssimo na coisa pública. Tive passagens fugazes por alguns cargos da vida política, sei bem destrinçar aquilo que é político do que é universitário. Tenho, para além disso, alguma experiência administra tiva. Durante quatro anos fui diretor da Faculdade de Direito da Universi dade de Coimbra e, simultaneamente, di retor da Imprensa da Universidade de Coimbra, o que me deu o sentido e as caracterís ticas do pulsar da Administ ração. Nos meus idos "quase de infância " fui adjun to do Sr. Doutor Eduardo Correia, meu queridíssimo mestre, então ministro de Justiça do 4.o Governo Constitucional. Alguma coisa fui percebendo sobre os meandros da política. Sou um acadé mico, assumindo, sem medo, a nobre missão política.
Ficou surpreendido com o número de queixas que encontrou?
Quando fui sondado e aceitei, imedia tamente comecei a informar-me, e o que encontrei era uma realidade com a qual contava.
A proliferação de provedores não po derá enfraquecer os poderes do Pro vedor de Justiça?
O Provedor nunca fica enfraquecido,
porque é único e é nacional. Se a exis tência de provedores privados acres centar ética e decência à atuação das pessoas, isso é bom. Agora não há pro vedores regionais, não temos, como em Espanha, provedores para cada região autónoma. A nossa estrutura social, quando comparada com outras estru turas europeias, não tem o mesmo grau de complexidade. Nem de longe nem de per to.
Quais vão ser as suas áreas prioritárias de intervenção?
Diria antes qual a área dos direitos humanos com a qual me vou preocupar
mais. Julgo fundamental ter presente, considero, aliás, um ponto axial, qua se sagrado, aceitar que são os chama dos direitos fundamentais da primeira geração aqueles direitos que vão estar na linha da frente do meu horizonte de preocupações. Ou seja: sempre que a vida, a integridade física, a liberdade e a dignidade da pessoa humana estiverem em causa, aí, indubitavelmente, tenho o dever estrito de atuar. É esse primeiro núcleo essencialque muitas vezes julga mos ser um dado adquirido. Está muito longe de ser adquirido, nomeadamente em relação aos imigrantes, aos presos e a tantas outras pessoas fragilizadas, porque institucionalizadas.
O Provedor pode atuar através de ins peções. Quais é que estão a decorrer neste momento?
Neste momento posso dizer que foi feita uma inspeção às prisões, ainda deter minada pelo meu antecessor, o Sr. Juiz Conselheiro Alfredo José de Sousa. Não temos o relatório fechado. Será depois apresentado.
E para além das inspeções ao sistema prisional?
Podemos pensar em todos os sistemas que, de uma forma ou de outra, con tendam com a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Estou a pensar, por exemplo, também no sistema inerente aos nossos hospitais psiquiátricos. Reali dade que para mim uma área altamente sensível e que deve ser uma outra das
preocupações fundamentais.
Trata-se de uma área que não tem sido devidamente acautelada?
Não estou a dizer isso. Perguntou- me para o futuro. Tudo isto tem de ser compagi nado, por exemplo, com os fortíssimos e preocupantes problemas da Segurança Soci al. Problemas complexíssimos das pensões, com tudo o que lhe inerente.
Esta coisa tão simples; alguém, no Por tugal profundo, tem direito à pensão, mas está acamado. Quem que lhe vai levantar a pensão? Está sozinho, não tem familiares. Este é um problema real.
O que pode fazer nessa situação o Provedor?
Pode sugerir, por exemplo, à Segurança Socialque desencadeie, naquele distrito ou concelho, os mecanismos necessários para que vá todos os meses lá um senhor funcionário que possa ir levantar a pensão daquele cidadão acamado.
AS INSTITUIÇÕES
SÃO CONSTITUÍDAS
POR PESSOAS
DE BOA-FÉ |
Há meios para isso?
Faz-se com grande êxito. É uma questão de boa vontade. Basta pegar no telefone e explicar - lhes a situação. Os meios de atuação, para o bom êxito da resolução do caso, são mui to informais.
Há muitas pessoas a recorrer à Linha de Apoio ao Idoso?
Sim, embora não tanto como se poderia pensar: à Linha do Cidadão Idoso e da Criança. Há uma Sr.a Provedora Adjunta que cuida da Linha da Criança, da Linha do Cidadão Idoso e da Linha do Cidadão com Deficiência.
Há pouca divulgação destas linhas?
A sociedade portuguesa alterou-se substancialmente. Aumentou a esperança de vida e aumentaram, consequentemente, os problemas dos idosos. Não é preciso grandes especulações de ordem soci o lógica para perceber isto. Há 20 ou 30 anos ninguém pensava nesta realidade; agora temos de o fazer. Da mesma forma que a Medicina avançou com a Geriatri a, no mundo do Direito temos também de perceber que houve qualquer coisa que mudou e que são as pessoas idosas e as crianças a constituir uma específica área da intervenção normativa. No fundo, os dois polos das nossas vidas . No meio estamos nós, na plena força de ativi dade. O que faz com que o Provedor tenha de estar atento. Mas mais uma vez volto a dizer: é preciso sentido da proporcionalidade e cautela, para não alocarmos todas as nossas capacidades a uma dessas vertentes e deixarmos cair qualquer uma das outras. Bem sei. É uma gestão muito complicada e difícil. Os imigrantes são também uma preocupação minha. Recebemos a maior parte das queixas por via eletrónica, mas as quei xas presenciais são feitas, sobretudo, por pessoas imigrantes. Pessoas que não se conseguem exprimir minimamente em português e que, por isso mesmo, têm de vir aqui presencialmente para, não obstante as dificuldades, muitas vezes compensadas pela expressão gestual, explicar o seu problema.
A Provedori a não está num local de fá cil acesso ao público, nomeadamente comunidade imigrante.
É verdade. E isso constitui também uma preocupação. "Mudar de casa" para um local com melhor acessibilidade é qual quer coisa que não pode deixar de estar no nosso horizonte.
O Sindicato da Função Pública já pediu a intervenção do Provedor sobre a questão das 40 horas semanais de trabalho. O que vão fazer?
A Provedoria vai estudar, e se encontrar argumentos diferenciadores relativamen te aos que, então, já foram invocados irá refletir e ponderar. Mas se os argumentos encontrados forem os mesmos, não sou pela duplicação. Se há órgãos que já suscitaram o problema, o Pro vedor só deve desencadear o pedido de inconstitucionalidade se encontrar outros argumentos que não tenham ainda sido aduzidos por aqueles que suscitaram a questão da constitucionalidade.
Desde que tomou posse, a Provedoria já suscitou em alguma ocasião a questão da constitucionalidade?
Não, estou aqui há apenas dois meses.
Como se processa a articulação com os outros Provedores europeus?
Há várias redes. Os Provedores europeus estão em rede. Há a Rede dos Provedores do Mediterrâneo, depois temos uma rede da Federação Ibero - Americana dos Pro vedores, depois há ainda, por exemplo, o Provedor Europeu. A relação é de grande cordialidade e de troca de experiências. A Alemanha não tem provedores, mas tem uma figura nos Uinder que está um bocadinho perto dos provedores. Diziame uma colega alemã que, não obstante a Administração alemã funcionar bem, as pessoas também se queixam. E sabe o que é que ela me dizia? Queixam se de não serem ouvidas e de apenas lhes escreverem. Isto representa bem o que se passa no espaço europeu e resulta do envelhecimento extraordinário da população europeia e os seus incomen suráveis graus de solidão.
SE TEMOS 21MIL
QUEIXAS POR ANO
É PORQUE OS
PORTUGUESES SABEM
QUEM É O PROV EDOR |
A forma de eleição dos provedores eu ropeus é semelhante... O que responde aos que consideram tratar-se de um cargo politizado?
O Parlamento é, por definição, o órgão representativo da disputa política. Dois terços dos Srs. Deputados são uma le gitimidade acrescida que dá uma força indiscutível ao Provedor, que é, em toda a linha, depois, um órgão independente.
O Provedor tem de estar na frente da luta pelos direitos fundamentais, mas não tem de ser alguém que esteja em conflito com as outras instituições. Num Estado de Direito democrático, as instituições são constituídas por pessoas de boa fé, por decent people, todas pretendem o bem comum. Não tenho a ideia de que se a Administração, quando faz qualquer coisa que na ótica do quei xoso não esteja bem, que isso faça da Administração um ninho de malvados. A Administração, também ela, é represen tante do Estado de Direito democrático e também ela procura a melhor solução. Está a isso constitucionalmente obriga da. Se o não faz, alguma coisa está mal.
Uma última questão... Também recebe queixas relativas a advogados?
Quando recebo queixas relativamente a atos de advogados, tenho para mim que a primeira instituição que deve responder é a Ordem dos Advogados, porque a Ordem é também um pilar do sistema democrático. Tal como há bocado referi ser o Conselho Superior da Magistratura o elemento essencial para a disciplina dos Srs. Magistrados Judiciais, é a Ordem, em primeira mão, que deve dar resposta às preocupações e aos interesses conflituantes entre os cidadãos e os advogados. Só se a Ordem der uma resposta titubeante ou não der resposta alguma é que o Provedor deve sugerir à Ordem o que deve fa zer. O papel do Provedor é a procura de elementos de pacificação através do seu magistério de persuasão e de influência. Muitas vezes basta chamar as pessoas e com elas falar. Por exem plo: fui recentemente aos Açores, em trabalho, tratava-se de um problema complexo em que havia três interesses em conflito. Sentámo-nos à volta de uma mesa para o tentar resolver. Não é que tenhamos saído de lá com uma solução, mas saímos com duas alter nativas para uma solução. O que já é um caminho.
Pacificador, mas também proativo?
Ser pacificador não é ser passivo. Ser pacificador é ser ativo. Para pacificar tenho de encontrar os pontos de en contro das partes que estão em con flito. Por isso tenho que, ativamente, encontrar pontes e pontos de contacto dos elementos em conflito.
Estava a referir-mefaculdade de o Provedor intervir independentemente de ter sido apresentada queixa...
Pode e deve fazê-lo, mas antes tem de estar muito atento, sob pena de se estar a intrometer nos pilares fundamentais do Estado de Direito democrático, e é essa sageza de saber qual a linha que não deve ultrapassar sem deixar de ser ativo que o Provedor deve procu rar. A proatividade não é a procura da conflitualidade, bem pelo contrário. antes a procura da pacificação. Se a persuasão não chegar, vamos para a recomendação. Posso mesmo sugerir à Assembleia da República pequenas alterações legislativas que visem o melhoramento de alguns pedaços de normatividade. Repito: pacifico porque atuo, atuo porque pacifico.
Fonte: Boletim da Ordem dos Advogados (Mensal nº 105/106 - Agosto/Setembro 2013)
Divulgação: CIC – CENTRO INTERNACIONAL DE CULTURA | ENCONTRO DOS DESCOBRIMENTOS – www.encontrodosdescobrimentos.com
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