PROCESSOS IMPOSSÍVEIS
"Todos os números que temos sobre a atuação do Judiciário são artificiais"
FÁBIO PRIETO

23/08/15

Desde que assumiu a presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em fevereiro de 2014, o desembargador federal Fábio Prieto busca priorizar a atividade-fim do Poder Judiciário: julgar. Pode parecer simples, ou óbvio, mas esse foco se reflete na redução dos estoques de processos no tribunal que ele comanda. Com visão de gestor, tenta incentivar quem faz mais em vez de punir que faz menos.

À frente da maior região da Justiça Federal do país (só em 2014, foram mais de 600 mil novos casos), Prieto é visto como um gestor prático, que não espera ter as condições ideais para levar um projeto adiante. Tira do papel e busca adequar a implantação aos planos. Foi assim, por exemplo, com a criação de seções especializadas em julgar matéria penal: não esperou a corte ter mais desembargadores, apenas reorganizou os que tinha.

Entre os projetos que toca está a chegada do processo eletrônico à Justiça Federal. Último braço da Justiça a informatizar-se, a demora foi também uma estratégia para fazer um PJe com menos problemas e que envolva menos gastos (e desgastes com disputas sobre qual sistema utilizar). Enquanto tribunais estaduais precisaram arcar com os custos da implantação do próprio sistema — o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, desembolsou mais de R$ 300 milhões —, a Justiça Federal utiliza o desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Não são apenas soluções que vêm do CNJ, segundo Prieto. Crítico a certos aspectos da atuação do órgão, ele acha que um dos problemas está na própria formação dele, que o deixa refém de pautas unicamente corporativas. Um exemplo é a criação de novos TRFs aprovada pelo conselho. “Se o CNJ funcionasse como deveria, o contribuinte não estaria pagando por quatro novos tribunais. É preciso saber por que há juízes que trabalham muito e outros pouco, mas isso o CNJ não responde”, reclama.

A produtividade dos julgadores e dos tribunais parece o centro de suas preocupações. No entanto, a própria medição que é feita hoje em dia, diz, está errada. Isso porque conta, por exemplo, execuções fiscais em que o Poder Público não aponta sequer os bens a serem penhorados como processos. Esses seriam, para Prieto, exemplos de “não-processos”, pois nunca vão andar e não é por falta de decisões, uma vez que o juiz está de mãos atadas.

Eleito pelo pleno do tribunal com 97% dos votos numa época em que as eleições no tribunal eram quase sempre divididas, Fábio Prieto encerrará seu mandato em fevereiro de 2016 com o sentimento de que finalmente todos estão trabalhando em paz. Julgará por mais quatro anos e, assim que encerrar sua carreira na magistratura, pretende voltar a advogar.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor definiu três metas para a sua gestão: instalar turmas especializadas em Direito Penal, apoiar turmas que julgam Direito Previdenciário e implantar o processo eletrônico. Por que fixou essas intenções?
Fábio Prieto —
Por vários motivos. No plano pessoal, o desafio não só de estar vivo, mas de viver. Do ponto de vista político-institucional e administrativo-gerencial, há várias razões: a sinalização da liderança, a escolha de prioridades, a concentração dos esforços, o foco na motivação das equipes gerenciais e operacionais.

ConJur — Como está o cumprimento das metas?
Fábio Prieto —
Tomei posse em fevereiro do ano passado e logo em julho as duas turmas de Direito Penal foram instaladas. Propus as modificações necessárias aos conselhos de Justiça e Administração do tribunal. Contei com o apoio unânime dos colegas. Depois, cuidei da alocação de pessoal, mobiliário, equipamentos de informática e outras necessidades operacionais. Está funcionando muito bem, não recebi reclamações até agora. Na área da previdência social, apoiamos os gabinetes mais congestionados. No pior deles, coloquei um juiz federal eficiente e capaz de liderar. Hoje, depois de poucos meses, é um dos melhores gabinetes do tribunal. Agora, estamos trabalhando na Vice-Presidência. Este setor estava na curva descendente, com mais de 120 mil processos.

ConJur — É o gabinete da desembargadora Cecília Marcondes?
Fábio Prieto —
Sim. A desembargadora Cecília é reconhecida pelo compromisso e pela eficiência. Seu gabinete sempre foi exemplar. No começo do meu mandato, as entidades da advocacia reclamaram, e com razão, da Vice-Presidência. Eu expliquei que primeiro treinaria o meu grupo de apoio nas turmas e, depois, o colocaria na Vice-Presidência. E foi um ganho. A Cecília já havia, depois de muitos anos, invertido a curva de produtividade na Vice-Presidência. Ou seja, todo mês, passaram a sair mais processos do que entraram pela distribuição. Entre as turmas e a Vice-Presidência, o grupo de apoio organizado pela presidência fez mais de 20 mil minutas de decisões.

ConJur — O senhor trouxe juízes e servidores da primeira instância?
Fábio Prieto —
Não. Juiz é titular de cargo e função. Não há cargo e função para juiz de mutirão. Os desembargadores e os servidores do tribunal só precisam ser corretamente motivados. O resultado está aí.

Conjur – Mas o Conselho Nacional de Justiça e os outros tribunais convocam juízes para isso e também para assessorias. É irregular?
Fábio Prieto —
A pergunta é embaraçosa para o CNJ e os outros tribunais. A Constituição veta. A Loman [Lei Orgânica da Magistratura Nacional] veta, por várias razões. Uma delas é a má formação de novas lideranças. Juiz tem independência e inamovibilidade. Um jovem juiz submetido à subordinação e descartável por qualquer motivo está recebendo o estímulo profissional correto? No caso do agente político ists é muito grave, por isto as previsões da Constituição e da Loman.

ConJur — Como o senhor constituiu o grupo de servidores de apoio?
Fábio Prieto —
Nosso tribunal tem estrutura muito enxuta. Mas o pessoal é eficiente, porque é recrutado pelo concurso público, com boa remuneração. Temos ainda instalações, mobiliário e equipamento de informática de boa qualidade. O orçamento é bastante razoável. Se liderar de modo correto, acontece o resultado.

ConJur — E a implantação do PJe [lançada na última sexta-feira (21/8)], como foi feita?
Fábio Prieto —
A Justiça Federal da 3ª Região tem uma memória muito negativa, pois anos atrás tentou instalar um projeto que era mal concebido, que resultou em fracasso. Fora do tribunal, havia uma acirrada disputa política entre o CNJ e a advocacia. Alguns tribunais gastaram dezenas ou centenas de milhões com vários projetos. Além disso, existem as dificuldades tecnológicas. Organizei a agenda, com as equipes de servidores, e saímos a campo. Começamos pelos descrentes, pois era preciso trazê-los para o projeto. Primeiro, a equipe de informática do tribunal e todas as entidades representativas da advocacia. Esses dois grupos tinham razões para desacreditar. Fiz muitas reuniões. Hoje são parceiros ativos e entusiasmados.

ConJur — Por que a primeira experiência começou em São Bernardo do Campo?
Fábio Prieto —
Não podia ser uma cidade nem muito longe, nem muito perto da sede do TRF. Também temos juízes mais antigos lá. Selecionamos algumas classes de ação, como, por exemplo, mandado de segurança. Vamos começar de modo seguro e consistente. Trabalho e discrição.

ConJur — Advogados de Londres estiveram por aqui em convênio com a OAB e disseram que “o processo eletrônico é uma coisa monstruosa, e é de se admirar que o Brasil esteja fazendo”. Lá na Inglaterra não se tem nem o interesse de fazer. Como o senhor, que já viveu por lá, avalia essa questão?
Fábio Prieto —
É preciso considerar uma coisa sobre a Inglaterra e outros países ricos: eles contam as moedas dos orçamentos públicos ou das próprias famílias. O [Pedro] Malan [ex-ministro da Fazenda] me disse que país rico discute custo com o que tem; país pobre gasta logo o que não tem. Quando morei na Inglaterra, diante de uma crise econômica, vi serem fechados dezenas de gabinetes vinculados ao sistema de administração de Justiça, inclusive da assistência judiciária gratuita. Imagina fechar uma vara, em uma cidade qualquer do Brasil...

Em Londres, os processos são rápidos, a grande maioria corre por juizados de pequenas causas. Os processos grandes são caros, como em qualquer país civilizado. Aqui, nós temos o mandado de segurança. No Brasil, a British Petroleum impetra o mandado de segurança, com custas irrisórias, discute 20 anos e, se perder, não paga honorários advocatícios. Se tentarem fazer isso em Londres, derrubam o primeiro-ministro! Parece incrível, mas eles simplesmente não precisam do processo eletrônico para melhorar o sistema de administração de Justiça. Mas estamos evoluindo, vamos chegar lá um dia...

ConJur — Para entrar com processo na Justiça inglesa é caríssimo, o que diminui a quantidade de processos, certo?
Fábio Prieto —
Não nos juizados de pequenas causas, onde se encontra a maioria das demandas. Mas os países ricos repassam boa parte dos custos do processo para os demandantes que têm recursos, da classe média para cima. E o grande árbitro desses custos é o advogado, cujo prestígio é incontestável. É um prestígio verdadeiro, não o das fórmulas vazias. O advogado é o estrategista da demanda e sabe até onde pode levar o cliente, dentro do sistema. Para melhorar o nosso sistema, temos que fazer o mesmo: valorizar a atuação do advogado.

ConJur — Até o final do ano, em que locais estará o PJe?
Fábio Prieto —
Após a primeira etapa de instalação, pode-se trabalhar, basicamente, com dois modelos. Em um deles, poderíamos antecipar o calendário geral de ampliação. No outro, de acordo com a evolução do sistema, fazer ampliações pontuais. Ficamos com o segundo modelo. A cada mês, de acordo com o Comitê Gestor do projeto e as equipes técnicas, vamos definir o raio de ampliação. O uso do home office por alguns servidores do tribunal já mostra a facilidade que eles têm de lidar com tecnologia. Deve ajudar.

ConJur — No Tribunal de Justiça de São Paulo, quando implantaram o home office, disseram que os servidores teriam que aumentar o trabalho e arcar com os custos...
Fábio Prieto —
Este é um mundo novo. Vamos observar um pouco.

ConJur — É preciso “deixar rolar”?
Fábio Prieto —
Isso é como o juiz trabalhar em casa. O tempo que eu mais trabalhei na minha vida profissional foi em casa. Fiz 30 mil decisões em sete anos. O telefone quase não toca. Você não é interrompido. Quando vinha algum advogado aqui no tribunal, minha assessoria oferecia um café e ligava para minha casa, inclusive pelo Skype. Sempre atendi os advogados. O computador sabe se alguém está trabalhando ou não.

ConJur — Mas não é preciso ter algum regimento para isso?
Fábio Prieto —
A ideia é fazer um. Até para dizer o que pode e o que não pode e a maneira de medir a produtividade. É muito simples. A corregedoria, hoje, é praticamente toda informatizada.

ConJur — No TRF-3 existe a política de cobrar o desembargador por quantidade de decisões? Ou por ser mais rápido?
Fábio Prieto —
O presidente não pode cobrar isso, porque ele não é corregedor. Eu acredito em políticas positivas, de incentivo, de colaboração, e fiz isso a vida inteira na advocacia, no Ministério Público e no Judiciário. Mostro tudo o que é positivo, de quem trabalha aqui. Não fico discutindo as falhas dos outros, porque sequer tenho competência funcional para isso. Há anos, entrei numa turma em que cada juiz tinha a média de 10 mil processos. Quando entrei, meu gabinete tinha 11 mil. Era o maior estoque. Quando saí para ir a Londres, tinha 4 mil no meu gabinete e os demais tinham a média de 5 mil. Hoje, a média foi para 10 mil processos de novo, na mesma turma.

ConJur — Isso é uma questão de gestão?
Fábio Prieto —
É uma questão de gestão, de modelo de liderança. Agora, no gabinete mais congestionado da área de previdência social, designei um juiz convocado muito bom. Eu o orientei a levar duas pessoas de confiança dele, junto com um servidor do meu grupo de apoio, para liderar toda a equipe. E disse para não tirar ninguém mais. Avisei que em três meses mudaríamos todo o sistema de trabalho, com as mesmas pessoas até então desmotivadas. Em três meses, assinei, junto com o presidente do STF, o ministro Ricardo Lewandowski, um elogio a toda equipe de servidores. Hoje, é um dos melhores gabinetes do tribunal. E são as mesmas pessoas.

ConJur — Seria positivo ou negativo para a Justiça Federal a criação de novos tribunais?
Fábio Prieto —
Desnecessário. Desperdício de dinheiro do contribuinte. Só se justifica uma coisa dessas pelo número de processos. A aprovação disso mostra que precisamos aperfeiçoar o CNJ. Até hoje, o CNJ não definiu o método de avaliação da produtividade e das necessidades sociais dentro do sistema de administração de Justiça.

O próprio CNJ é uma estrutura caríssima, com 800 servidores e 4 edifícios. O cálculo de ampliação dos tribunais ainda é feito com a seguinte fórmula: um juiz tem 19 mil processos para julgar, enquanto outro tem mil. Logo, com 20 mil para dois juízes, temos a média de 10 mil processos para cada um. Isso é equivocado. O juiz com mil processos mostra que não precisamos aumentar a estrutura. O outro, com 19 mil, evidencia que as atuais estruturas de incentivo, fiscalização e controle não funcionam.

ConJur — Como punir o juiz?
Fábio Prieto —
Essa pergunta é boa, mas incompleta. Primeiro, como em qualquer atividade humana, diante de um problema, é preciso começar com a pergunta certa: como incentivar a superação da falha? Quais são os incentivos? São suficientes? Os meios para alcançá-los. Depois, fiscalizar a recuperação com rigor. Por fim, punir, sim, se necessário.

ConJur — O TRF-3 encerrou 2013 com 472 mil casos pendentes e, no fim do ano passado, ficou com 317 mil. Já na primeira instância, foram 547 mil casos novos em 2013 e, em 2014, 638 mil casos. E aproximadamente 2,2 milhões de ações pendentes nas áreas dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. O que esses números dizem?
Fábio Prieto —
Todos os números do Judiciário são artificiais. Quase metade, 45%, dos processos são execuções fiscais na Justiça Federal. Ou seja, são não-processos. Quando eu era advogado de banco, não podia ajuizar a execução sem saber onde estavam os bens do devedor. Ocorre que as execuções fiscais são ajuizadas sem qualquer dado e, na expressiva maioria dos casos, não têm qualquer utilidade. Então as estatísticas são artificiais. É preciso definir um novo modelo de execução fiscal.

ConJur — E em relação a essas execuções fiscais, o que o tribunal está fazendo para que elas andem?
Fábio Prieto —
O Judiciário não pode fazer grande coisa. O que significa “ fazer andar” uma execução fiscal? É penhorar, é expropriar. Se não apresentam o devedor nem os bens, não há nada a fazer.

ConJur — As faculdades preparam os alunos para o dia a dia do Direito ou só para concursos?
Fábio Prieto —
Seria ótimo se preparassem pelo menos para concurso. Quem se prepara para concursos são as pessoas, pelas suas necessidades.

ConJur — O fato de as vagas dos concursos para juízes não estarem sendo preenchidas é por falta de preparo?
Fábio Prieto —
Sem dúvida. É falta de um sistema de educação eficiente. O concurso, agora, é feito para esse tipo de sistema que nós temos.

ConJur — As súmulas vinculantes aceleram o Judiciário? Ou acabam engessando o trabalho do juiz?
Fábio Prieto —
O conceito de súmula é neutro. Pode ser boa ou má a sua efetiva concepção. Revolucionário foi o artigo 557, do Código do Processo Civil, com o julgamento monocrático fundado na jurisprudência dominante. A consulta com o computador, nos sites dos tribunais, dispensou a burocracia judiciária para a afirmação dos precedentes. A súmula e o incidente de uniformização de jurisprudência perderam o sentido. Como reunir o Órgão Especial do tribunal para a redação de uma súmula, quando o computador já lhe diz qual é a posição dominante?

ConJur — As metas de produtividade do CNJ são um passo interessante para isso?
Fábio Prieto —
Sim. Começaram em grande número, sem foco. Hoje, evoluíram, são factíveis, bons instrumentos de gestão.

ConJur — Como o senhor avalia o CNJ?
Fábio Prieto —
Tem avanços e retrocessos, mas ainda está em fase de maturação institucional. Coisas boas foram a discussão sobre a produtividade e a fiscalização sobre as corregedorias. Uma fonte de ineficiência é a composição corporativa, que facilita a captura do órgão pelas corporações e associações. É preciso que o Supremo Tribunal Federal assuma o órgão. Vai demorar um pouco. Como ocorreu com o controle de constitucionalidade.

ConJur — O senhor fica na presidência do TRF-3 até fevereiro de 2016. Quais são seus planos para depois disso?
Fábio Prieto —
Tenho mais quatro anos de tribunal. Minha ideia é voltar para a advocacia. A magistratura é uma experiência muito rica. São Paulo é um país. Mato Grosso do Sul é um estado muito interessante. Tive a oportunidade de fazer a carreira completa, uma experiência sem igual.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-ago-23/entrevista-fabio-prieto-presidente-trf-regiao (Por Livia Scocuglia e Thiago Crepaldi)