23/01/2014

PortugalPORTUGAL: RESGATE DE SEUS DESCENDENTES PELA LEI DA NACIONALIDADE E O PROJETO DE LEI 382/XII

ADALBERTO PEDRO DIAS,
Advogado – Membro da Ordem dos Advogados do Brasil – SP – Membro Fundador da CJLP - Comunidade dos Juristas da Língua Portuguesa

          Portugal, berço de grandes navegadores, pioneiros na conquista de mares nunca dantes navegados. Adentrando mares temidos e misteriosos, descobriram, conquistaram e colonizaram novas terras. Descobriram e colonizaram terras da África, Ásia e América do Sul. A Era das Grandes Navegações e grandes conquistas teve início por volta do ano de 1415, quando uma força militar atravessou o Estreito de Gibraltar, tomando a cidade marroquina de Ceuta. Lançaram-se em seguida para novas conquistas, pois havia um mundo desconhecido a descobrir e conquistar, desta forma, os descobrimentos inauguraram a nova Era da história da Humanidade. Com as viagens para novas descobertas e conquistas, deixavam seus bravos navegadores portugueses nestas terras a fim de colonizá-las, sem contar as dezenas de navegadores que sucumbiram antes de desfrutarem de tais conquistas, como podemos sentir nos versos do Grande Poeta FERNANDO PESSOA:

Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram. Quantas noivas ficaram por casar, para que fosse nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem querer passar além do bojador tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.  


          A história das explorações portuguesas não é uma história de homens exóticos e originais em pitorescos barcos de madeira. É uma história de paixão, de sangue, de incomparável coragem, de arroubos de visão e da construção de impérios. Foi um drama encenado no palco do mundo, em um tempo que nunca se repetirá, pois foi à última época em que o mundo físico e seus povos eram desconhecidos. O custo foi enorme: “Deus deu aos portugueses um país pequeno como berço, mas o mundo todo como túmulo” observou o Padre António Vieira Jesuíta português do Século XVII. Porém, com a independência de países colonizados, Portugal foi perdendo sua autonomia sobre tais colônias, deixando nelas apenas seus filhos e seus descendentes que não foram poucos, e assim continuaram a luta por desbravar estas terras. Portugal é por excelência um país de emigrantes com seus cidadãos e descendentes espalhados por toda parte do globo terrestre1.

          Com esta maravilhosa história de conquistas e colonização de novas terras, brilhantes Parlamentares Portugueses, com o intuito de resgatar seus descendentes, dando-lhes a possibilidade de adquirirem a nacionalidade portuguesa, que por qualquer motivo havia-se perdido ou sequer se adquirido, criaram a “Lei de Nacionalidade de Portugal” e, posteriormente, várias alterações, deixando, porém, uma grande discriminação entre os netos de portugueses e suas formas de adquirirem a nacionalidade portuguesa, senão vejamos:

          A lei da nacionalidade em Portugal (art. 6º, n. 4)2 concede a nacionalidade portuguesa por naturalização aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro, desde que seu ascendente do 2º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa, não tenha perdido esta nacionalidade.

          Essa mesma lei concede a nacionalidade originária aos netos de portugueses nascidos no território português; aos nascidos no estrangeiro com seu genitor português a serviço de Portugal e àquele filho de mãe ou pai português nascido no estrangeiro se tiverem o nascimento inscrito no Registro civil competente ou se declararem o desejo de ser português.

          Vejamos. O tratamento legal aos netos de portugueses resta discriminatório, fere a isonomia e peca por não reconhecer a universalidade de direitos portugueses.

          O neto de português cujo genitor morreu e não manifestou a vontade de ser português, cessa a possibilidade de a geração seguinte poder adquirir originariamente a nacionalidade portuguesa.

          Logo, somente em razão da inércia dos pais, os respectivos filhos (netos de portugueses) são impedidos de serem portugueses de origem. Mas, a atribuição da nacionalidade originária irá ocorrer normalmente para os netos de portugueses sem interrupção geracional em termos de manifestação de vontade em ser português.

          É cediço que inúmeros netos de portugueses, com laços sanguíneos portugueses, são privados de aceder à nacionalidade originária portuguesa, apenas porque os pais não a solicitaram.

          Ora, percebe-se que todos são netos de portugueses. Não há razão para tratá-los de forma desigual.

          E o que é pior. O neto de português que adquire a nacionalidade por naturalização pode vir a perder a sua nacionalidade de origem. A legislação interna de grande parte dos países, que mantêm relevantes comunidades portuguesas, pune com a perda da nacionalidade de origem, àqueles que, residindo no seu País de origem, obtenham outra nacionalidade por naturalização.

          Considerando ainda, que o neto de português que adquire a nacionalidade por naturalização fica impossibilitado de transmiti-la para seus descendentes, nascidos anteriormente a esta aquisição, em flagrante desigualdade com também neto de português que adquiriu a nacionalidade originária.

          O neto de português, português é. Está em seu sangue, está em seu íntimo e em seu histórico pessoal e familiar. Mas, se vê prejudicado e obrigado a abandonar a nacionalidade originária, para adquirir a portuguesa. Pergunta-se: qual o “discrímen” justificável para com os netos de portugueses que podem obter a nacionalidade originária e os que também netos de portugueses que somente podem adquiri-la pela naturalização? Não há justificação.

          Note-se que a aquisição da nacionalidade portuguesa originária por netos portugueses, além de não acarretar a perda da nacionalidade originária, permite a sua transmissão a seus descendentes, o que não é possibilitado aos netos de portugueses que adquirem a nacionalidade por naturalização. A injustiça e a desigualdade imperam.

          É nesse cenário que o projeto de Lei 382/XII3, em trâmite na Assembleia da República de Portugal, procura introduzir algumas alterações pontuais à Lei da nacionalidade portuguesa.

          O projeto de Lei 382/XII introduz uma alteração com o propósito de facilitar a aquisição de nacionalidade portuguesa por indivíduos nascidos no estrangeiro, mas ainda ligados a Portugal por via sanguinis.

          Assim prevê o referido projeto:

Artigo 1º

Alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro

O artigo 1º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.º 24/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, e pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 1º

(…)

1 – São portugueses de origem:

a) (…);

b) (…);

 

c) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa até ao 2º grau na linha reta e que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses ou inscreverem o nascimento no registo civil português;

d) (…);

e) (…);

f) (…).

2 – (…).»

          A proposta de alteração constante do projeto de Lei 382/XII elimina a discriminação existente atualmente, assegura isonomia a todos os netos de portugueses, mantendo a ligação com Portugal, porém, deixa ainda uma dúvida: Se este Projeto de Lei for aprovado, como é que ficaria a situação daqueles netos de portugueses que já adquiriram a nacionalidade por naturalização?

          Apesar da dúvida e no intuito de saná-la, deixa-se aqui uma sugestão - como item 03, para se acrescentar ao Projeto de Lei 382-XII, em tramitação na Assembleia da República de Portugal:

1 - São portugueses de origem:...

c) os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa até o 2º grau na linha reta e que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses ou se inscreverem o nascimento no registro civil português.

d) (…);

e) (…);

f) (…).

2 – (…).»....

2 – Presumem-se nascidos...

3 – No caso da alínea ‘c’ e nas mesmas condições, considerar-se-ão, também, portugueses de origem, aqueles indivíduos que já obtiveram a nacionalidade portuguesa por naturalização, na vigência da Lei anterior.

          O interesse em adquirir a nacionalidade originária ultrapassa as fronteiras do sentimentalismo. A aquisição da nacionalidade originária por netos portugueses assegura também o interesse econômico a Portugal. Considerando ainda, que muitos destes descendentes são pessoas qualificadas profissionalmente,  já inseridos no mercado de trabalho onde residem, a ida a Portugal seria para investimentos, estudos, turismo e quiçá, somar aos grandes gênios que ainda não emigraram de Portugal para outros países, tornando esta terra querida, uma Maior Nação, mais do que já é, respeitada pelo seu grande desenvolvimento, contribuindo também em seus países, pelos interesses de Portugal.

          Há rumores de que muitos descendentes, pais de netos de portugueses, não se interessaram na manutenção da relação com Portugal, através da obtenção da nacionalidade, enquanto em vida. Não procede tal alegação. Certamente não foi falta de interesse, mas sim a falta de informações e divulgação dos Consulados. Não se pode esquecer que a rede de comunicações que temos hoje é completamente diferente da de décadas passadas, quando uma notícia de um local demorava semanas ou quiçá meses para chegar a outro lugar distante.

          Temos que ter presente ainda, que os empresários portugueses ou de origem portuguesa que pretendem investir em Portugal encontram obstáculos quanto à sucessão familiar de seus negócios. Caso fosse aprovado o Projeto de Lei 382/XII, com a possibilidade de nacionalidade aos netos de portugueses por originalidade, muitos empresários, netos de portugueses teriam a certeza de que em sua falta, seus filhos já nascidos anteriormente à aquisição da nacionalidade por ele recebida, continuariam com os investimentos na qualidade de portugueses natos.

          Vale dizer, vivemos em uma época de globalização. A cooperação entre os povos é cada vez mais reconhecida como forma de alcance de um mundo melhor. O esforço coletivo tem contribuído para a eficiência econômica. Portugal só tem a ganhar ao tratar os netos de portugueses como portugueses de origem, sem qualquer discriminação, mas com equidade e justiça, em busca de um futuro comum.

 


1 - Para maiores informações, consulte: Cláudio Araújo - estudioso da história de grandes navegações portuguesas – no blog:  http//energiaegrandesnavegacoes.blogspot.com.br/

2 - A nacionalidade portuguesa é regulamentada pelo Decreto-lei n.º 237-A, de 14 de dezembro de 2006, e regida pela Lei Orgânica n.º 2, de 17 de abril de 2006, que modificaram substancialmente a Lei da Nacionalidade - Lei n.º 37, de 3 de outubro de 1981, enunciada no artigo quarto da Constituição da República Portuguesa. Para saber mais, consulte o site: http://ec.europa.eu/ewsi/UDRW/images/items/docl_3696_993801311.pdf
Veja também: http://dre.pt/pdf1sdip/2006/12/23901/00020016.PDF

3 - Para consultar a íntegra do Projeto de Lei 382/XII veja o site: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37610