06/01/2014

A RELAÇÃO ENTRE O VAZAMENTO DE ÁGUA RADIOATIVA DA USINA NUCLEAR DE FUKUSHIMA E A ÁGUA DE LASTRO

FÁBIO JOSÉ IBRAHIN
Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, Especialista em Direito Contratual pelo IICS-CEU, integrante da Polícia Federal e Membro Fundador da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa - CJLP.  

FRANCINI IMENE DIAS IBRAHIN
Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, Especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP, advogada, professora de Direito Público e Membro Fundadora da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa – CJLP.


No dia 23 de dezembro de 2013, mais um vazamento de cerca de 1,8 toneladas de água radioativa de um tanque da usina nuclear de Fukushima, no Japão, tem sido objeto de grandes discussões no Brasil e no mundo. O mesmo fato ocorreu em agosto do mesmo ano, na referida usina, ocasião em que 300 toneladas de água radioativa foram parar direta e indiretamente nas águas do Oceano Pacífico.

A operadora da usina nuclear de Fukushima, Tokyo Electric Power Company (TEPCO), admitiu que a água tóxica pode contaminar as águas subterrâneas e desaguar no Oceano Pacífico “a longo prazo”. Informou ainda que acredita que, desde maio de 2011, pode ter lançado ao mar grande quantidade de material radioativo.
É neste cenário que vigora um enorme perigo ambiental em virtude de um vetor chamado água de lastro. Entenda o porquê.

Um navio completamente carregado, concebido para transportar, além de seu próprio peso estrutural, uma determinada quantidade de carga, opera em segurança e em condição de equilíbrio estável, interagindo com as ações da natureza a que está vulnerável, como correntes marítimas, ventos e ondas, sem, contudo, comprometer sua segurança e manobrabilidade.

O problema surge à medida que a embarcação tem que prosseguir viagem sem carga, descumprindo sua primordial função para a qual fora criado, o que pode torná-lo instável a depender da intensidade das forças da natureza que atuem sobre ele, podendo não conseguir recuperar seu equilíbrio e vir a pique.

Para evitar-se esse problema, quando uma embarcação realiza uma viagem com pouca carga ou com ausência dela, a fim de se garantir a estabilidade, governabilidade e manobrabilidade da embarcação, convencionou-se usar um peso adicional, substituto da carga ausente, para funcionar como elemento que garantiria um comportamento estável do navio. Assim, a esse peso “extra” foi dado o nome de lastro.

Dessa forma, a água do mar e dos rios, passou a ser utilizado como lastro dos navios com a finalidade de se garantir sua estabilidade durante sua viagem, cujos porões de carga estivessem vazios, funcionando como elemento de equilíbrio, passando a ser denominada como água de lastro.

Assim, pode-se afirmar que o ato de lastrear um navio pode se traduzir no ato de carregamento de água do mar ou rios nos tanques do navio que está com seus porões de cargas vazios, a fim de lhe garantir condições ideais de segurança operacional de navegabilidade.

Ao lastrar, o navio bombeia para dentro do casco a água do mar, no local onde ele se encontra, acarretando a introdução de contaminantes presentes na água do mar (especialmente nos casos de águas poluídas), bem como de organismos marinhos do local. Assim, o que parecia ser a melhor solução nos últimos tempos para lastrear e deslastrear os navios, mostrou-se uma grande ameaça ao meio ambiente. Isso porque ao proceder ao deslastre no porto de destino ou em outra parte do mundo, o navio lança, naquele ambiente marinho, contaminantes, transferindo micro-organismos e espécies da fauna e da flora aquáticas típicos de uma região para outra totalmente estranha, o que pode causar sérias ameaças ecológicas, econômicas e à saúde. Nela, podem estar presentes inúmeras espécies aquáticas, como algas, cistos, mexilhões, peixes e crustáceos (predadores), organismos exóticos, vírus, bactérias tóxicas e até patogênicas, como o vibrião colérico. A fauna marinha não é uniforme em todo o globo terrestre, temos diferentes ecossistemas marinhos. Logo, sem os devidos cuidados, o mundo se vê diante de um problema de enormes proporções.

As normas imperativas de direito ambiental internacional obrigam os Estados a respeitarem os princípios do desenvolvimento sustentável, equidade geracional e cooperação entre os povos, assegurando a sobrevivência e viabilidade das futuras gerações, forçando-os a  cooperarem  em  prol  do  interesse  comum   da  preservação  da qualidade do meio ambiente. Logo, descumprindo tais deveres impostos, causando danos ao meio ambiente, existirá a possibilidade de responsabilizar   internacional e objetivamente o Estado.

Os problemas que envolvem um deslastre indevido das águas de lastro dos navios podem acarretar a responsabilidade civil internacional dos agentes envolvidos, em especial do próprio País a que pertence a bandeira da embarcação.

Percebe-se que o País, em virtude do navio que arvora sua bandeira, pode ser responsabilizado por um deslastre indevido de água de lastro, porque descumpre as normas de jus cogens, desrespeita os princípios ambientais da prevenção, do desenvolvimento sustentável, do equilíbrio geracional e da cooperação entre os povos. E, ainda, não observa os deveres impostos em tratados internacionais, a exemplo da Convenção de Montego Bay e, principalmente, viola o direito humano ao meio ambiente sadio e equilibrado.

 A preocupação com o deslastre indevido da água de lastro é iminente. Nesse rumo, observa-se a preocupante situação iniciada em março de 2011, em que um intenso terremoto de grau superior a 9,0 na Escala Richter sacudiu o arquipélago do Japão, principalmente na região de Fukushima e Miyagi, secundado por um violento Tsunami, que acabou por destruir toda a região e matar milhares de pessoas.

Naquela oportunidade, as seis centrais elétricas da região, geradoras a partir de reatores nucleares, foram fortemente abaladas em suas estruturas de contenção, passaram a emitir radioatividade não só na atmosfera, mas também na região litorânea do Oceano Pacífico pelas águas empregadas nas tentativas de resfriamento dos núcleos dos reatores nucleares. A radiação emitida com o acidente causou a contaminação da água, peixes e organismos microscópicos até 600 quilômetros da costa japonesa(3).

O Japão, por sua localização, encontra-se numa das mais intensas rotas do transporte marítimo; existem no país aproximadamente 128 grandes portos (“major ports”) e centenas de pequenos portos que são utilizados para recepção de pequenas embarcações, além dos terminais de passageiros(4).

Muitos desses navios necessitam coletar água de lastro após a operação de descarga. Em função da grande quantidade de água com iodo radioativo lançado ao mar, surge a preocupação referente aos riscos dos navios captarem essa água como lastro e transferirem essa contaminação para outra região do globo. Existe ainda o problema da contaminação do casco do navio, o qual, em contato com a água radioativa, pode se tornar um vetor de contaminação.

Há grande risco de qualquer país, indiretamente, ser vítima dos problemas nucleares que atingiram o Japão, visto que os navios que navegaram por aquela região poderem carregar água radioativa para qualquer porto do mundo, dentre eles, um porto brasileiro e ou português.

Pesquisadores(5) alertam que se não houver fiscalização efetiva, o ambiente aquático brasileiro corre sérios riscos. Newton Narciso Pereira(6), do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Poli-USP, afirma que:
Assim, despeja-se a água mais doce coletada na região portuária e capta-se a água do oceano, mais salina, que depois é despejada no porto de destino. Acontece que nem todos os navios cumprem esse procedimento. Caso ele tenha coletado água na região do mar do Japão, pode transferi-la com elementos radioativos para o porto de Santos, por exemplo. 

O assunto volta novamente à tona esta semana, em razão da agência nuclear do Japão elevar o nível de gravidade do vazamento de água com radioatividade na usina nuclear de Fukushima. O nível foi de um para três na chamada Escala Internacional de Eventos Nucleares (Ines, na sigla em inglês), que vai até sete. A água radioativa pode escoar para águas da costa marítima japonesa e, por conseguinte, serem captadas como água de lastro por embarcações que estiverem navegando pelas imediações.

Os exemplos retratam a possibilidade de responsabilizar internacionalmente e de forma objetiva um país pelo deslastre indevido de água de lastro, demonstrando ainda, a preocupação com a qualidade de vida do meio ambiente marinho queatravessa fronteiras e preservá-los é um dos grandes desafios ambientais do homem neste século.

A questão da água de lastro é um tema relevante que deve ser objeto de consciência de todos os países, os quais, conjuntamente, devem buscar a existência e permanência de um meio ambiente sadio e equilibrado, mediante comportamentos que realmente evitem, de forma séria e eficaz, o deslastre indevido da água de lastro.

(3) Fonte:<http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/radiação-atingiu-600-quilometros-da-costa-jap>. Acesso em: 17 jun.2012. 

(4) Fonte:<http://across.co.nz/Japan.html>. Acesso em: 17 jun.2012

(5) Fonte: <http://www3.poli.usp.br/comunicacao/noticias/noticias/arquivo-de-noticias/718>. Acesso em: 17 jun.2012.  

(6) Fonte: <http://www.rac.com.br/institucionais/cenario-xxi/2011/05/27/85134/lastro-de-navios>. Acesso em: 17 jun.2012.