BrasilO CONTRATO DE TRABALHO SOBREVIVE AO DESENVOLVIMENTO DO PAÍS

PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS,
Ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.

Ao inaugurar esta coluna de Direito do Trabalho na revista eletrônica Consultor Jurídico, que terei o prazer de dividir com os amigos e colegas Paulo Sergio João e Raimundo Simão de Melo, decidi escrever algo sobre um tema antigo, mas que hoje, mais do que nunca, mantém sua atualidade: o contrato de trabalho.

Isso porque as mudanças no modo de produção e a sofisticação do mercado de trabalho vêm provocando certos posicionamentos extremados, de um lado alguns enxergando a existência de vínculo de emprego em todas as relações de trabalho, inclusive quando não há e, de outro lado, alguns negando a existência do vínculo, mesmo quando ele se evidencia.

Desde os primórdios do Direito do Trabalho convivemos com a ideia de que paralelamente à prestação de serviços por pessoa física, de forma subordinada — que configura a relação de emprego e que corresponde ao contrato de trabalho — há outras formas igualmente lícitas de prestação de serviços. Assim, se uma pessoa física pode prestar serviços subordinados como empregado, pode outra prestar serviços como trabalhador autônomo ou avulso, bem como pode a empresa tomadora de serviços valer-se do concurso de outra pessoa jurídica, que pode ser uma empresa ou uma cooperativa.

Observados os requisitos legais e correspondendo a prática da relação existente à forma de contratação ajustada, estaremos, em qualquer destes casos, diante de situação lícita e protegida legalmente.

O que o ordenamento jurídico repudia, desde sempre, é a eventual tentativa, por parte do tomador de serviço, de mascarar a relação de emprego, travestindo-a de trabalho autônomo, ou mesmo de trabalho prestado por falsa pessoa jurídica.

É esta a dicção do artigo 9º da CLT, que afirma serem nulos os atos que visem desvirtuar, impedir, ou fraudar a aplicação de seus preceitos. Mas, se assim é, a contrapartida também é verdadeira, na medida em que nosso ordenamento jurídico igualmente repudia eventual tentativa de considerar existente um contrato de trabalho que não exista na realidade.

A CLT, nos artigos 2º e 3º, define empregador e empregado, respectivamente, evidenciando os requisitos necessários para que se configure o contrato de trabalho. Deste modo estando presentes aqueles requisitos, estaremos diante de um contrato de trabalho e, ausentes os mesmos requisitos, não há contrato de trabalho.

Esta regra simples teve lugar no início do Direito do Trabalho, mas ainda hoje é igualmente válida, mesmo com a sofisticação do mercado de trabalho e a complexidade das formas de produção na agricultura, na indústria, no comércio, na prestação de serviços e no denominado terceiro setor. O que a nosso ver modificou-se foi a facilidade, ou não, para identificar a existência de contrato de trabalho em determinada relação.

Partindo da realidade de prestação de serviços na presença do empregador e em seu estabelecimento, para o trabalho à distância, o teletrabalho e a terceirização na prestação de serviços, temos uma boa mostra das dificuldades que hoje existem para identificação da relação lícita e da tentativa de fraude às regras da CLT.

Tais fatos, contudo, não autorizam nem legitimam qualquer posição extremada na análise da licitude do vínculo eleito pelos contratantes.

Aquele que busca diminuir custos com o trabalho de que se apropria, forjando vínculos diversos de eventual contrato de trabalho existente, age em vão, pois será com certeza desmascarado, sofrendo condenação judicial.

De igual modo, aquele que ignora a lisura de contrato diverso, para forçar entendimento de que se está diante de contrato de trabalho, longe de agir em benefício dos trabalhadores, estimula a retração na oferta de postos de trabalho, agindo em prejuízo dos mesmos.

É preciso conhecer as novas modalidades de prestação de serviços que surgem com na dinâmica da atividade empresarial, para distinguir o que está de acordo com o ordenamento jurídico e o que o desrespeita.

Não se presta o Direito do Trabalho a desempenhar uma função descabida de obstáculo à evolução das relações econômicas, como se tivesse tal poder. Presta-se, isto sim, à essencial função de conformar as novas realidades ao Direito, harmonizando novos contratos à proteção necessária aos hipossuficientes.

Todavia não se confunda esta nobre e importante função com o equívoco de postar-se como uma barreira a tentar em vão impedir o caminho da história, construindo falsos argumentos para o não reconhecimento das novas realidades e tentar em vão reduzir todos os vínculos à figura do contrato de trabalho. Ao Direito não é dado ignorar a realidade, como afirma o velho brocardo, pois aí a realidade se vinga e ignora-o.

O contrato de trabalho nunca foi e não é, em absoluto, entrave para o desenvolvimento econômico, como às vezes afirmam alguns menos avisados. Basta lembrar a proteção individual e coletiva aos contratos de trabalho nos países desenvolvidos, que em nada prejudica a equação econômica e que é muito mais ampla do que aquela dispensada pelo direito do trabalho brasileiro. Os encargos intrínsecos do contrato de trabalho são aqueles de natureza social, como é da essência da relação de emprego (CF, artigo 1º, IV e artigo 6º) e não os encargos fiscais, indevidamente tributados ao contrato de trabalho, com o intuito de servir a um equivocado discurso.

Afinal, diga-se, temos que a reação correta a tais equívocos há de ser a valorização do contrato de trabalho, quando este se concretiza, do mesmo modo que a valorização das demais formas lícitas de prestação de serviços, com a proteção trabalhista e previdenciária adequadas.

Uma visão reducionista, que tenta fazer acreditar que todas as formas de prestação de serviços por pessoa física configuram contrato de trabalho está defasada da realidade sócio econômica e milita, afinal, em favor do descrédito na real valorização da relação entre tomador e prestador de serviços.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de maio de 2014