28/04/2013

BrasilRADIOGRAFIA DA JUSTIÇA MOSTRA NÚMEROS ALARMANTES

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO,
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho

Recentemente foi lançado, em cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidida pela ministra Cármen Lúcia, o Anuário da Justiça 2013, publicado pelo Consultor Jurídico, com apoio da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). A publicação é valioso serviço que se presta à Justiça, pois revela, com fatos e fotos, o perfil dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos tribunais superiores, permitindo melhor conhecimento de como julga e pensa a cúpula do Judiciário brasileiro.

Na esteira desse anuário, a mesma prestigiosa editora tem publicado os anuários dos tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, maiores deste país, além de um abarcando todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho e outro os cinco Tribunais Regionais Federais. Só identificar e conhecer um pouco melhor quem são os desembargadores dessas Cortes já facilita a todos os operadores do direito a atuação nos respectivos tribunais.

Mas o Anuário da Justiça vai mais além: norteando-se no Justiça em números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e nas entrevistas com os magistrados brasileiros retratados, traça uma radiografia da situação da Justiça brasileira, quanto à sua performance. E os números e análises são alarmantes.

Um de cada três brasileiros tem ação tramitando na Justiça, o que mostra o grau de litigiosidade a que chegamos. Desde a promulgação da Constituição de 1988, houve um incremento de 7 mil por cento na demanda processual. A duração média de uma demanda judicial, até o vencedor receber o que postulou chega à década. A média diária de processos a serem apreciados por ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Tribunal Superior do Trabalho (TST) alcança a casa dos 60 recursos. Os números são assustadores e apontam para a falência de um modelo de prestação jurisdicional.

Dizia, em entrevista ao Anuário, que é preciso reconhecer, como no conto, que "o rei está nu": a prática demonstra elevado grau de delegação de jurisdição às assessorias jurídicas dos magistrados, a ausência de verdadeira colegialidade na grande maioria das decisões e um nível crescente de insatisfação do cliente da Justiça, que é o cidadão.

Até as inovações introduzidas pela reforma do Judiciário, por terem sido tímidas, hoje trazem efeitos colaterais mais danosos do que benéficos para o jurisdicionado, mostrando como a rapidez mal canalizada também pode travar o Judiciário. É o caso do instituto da "repercussão geral" dos processos a serem julgados pelo Supremo. Afetada determinada matéria a essa análise, devem todos os recursos que versem sobre ela ficar sobrestados nas respectivas instâncias, o que tem paralisado dezenas de milhares de processos, já que nossa Suprema Corte não tem conseguido dar vazão às centenas de temas que reconhece com repercussão geral. E podem ficar parados por anos, com uma briga de advogados, tentando demonstrar que seus casos não se enquadram exatamente nessas matérias.

Justamente por isso é que, ingloriamente, tenho sustentado a necessidade de uma racionalização judicial e simplificação recursal, que permita uma triagem de processos, por parte dos tribunais superiores, das causas relevantes no seu todo, para definir, por meio deles, o conteúdo normativo da Constituição e das leis, usando os processos como veículo: decidir temas, não causas. Assim, os processos nem ficariam no limbo da repercussão geral, nem teriam de percorrer a via-sacra de dezenas de revisões para se chegar a um fim. Os litigantes almejam rapidez e definitividade das decisões.

Concordo com os que defendem a uniformização jurisprudencial das cortes regionais para desafogo dos tribunais superiores. Mas verifico que a solução é provisória, na medida em que, num segundo momento, havendo divergência entre tribunais, a avalanche de recursos voltará a desabar sobre o TST e o STJ.

Justamente por isso, saúdo com entusiasmo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 209/2012, que dará ao STJ, quando aprovada, filtro de processos que permita tratar das matérias relevantes, sem ter que reproduzir julgados, construir jurisprudência defensiva para obstaculizar recursos e esgrimir recordes de estatísticas de processos solucionados. E não deixo de sonhar com que a Justiça do Trabalho, que era vanguardista em matéria processual, possa seguir futuramente o modelo então implantado, para tornar mais rápida e eficaz a prestação jurisdicional no país. Essas as reflexões que o Anuário enseja aos que o leem com olhos de ver.

Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2013