DIREITOS FUNDAMENTAIS, GLOBALIZAÇÃO E CRISE ECONOMICA

Claudio Henrique Corrêa

Advogado e Juiz do Trabalho aposentado

1 -                                Diz a "DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM", em seu artigo XXII:

"Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho, e à proteção contra o desemprego." ......Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social."

II -                               Na encíclica "LABOREM EXERCENS", o Papa João Paulo II, enfatizou AS PRIMAZIA DO TRABALHO SOBRE O CAPITAL, FUNDADA NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, QUE SE REALIZA E SE APERFEIÇOA PELO TRABALHO.

III -                             No Brasil, a Constituição Federal, no seu Título 1, estabelece os Princípios Fundamentais que lhe servem de suporte.

O Artigo 1º. afirma que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos, dentre outros, "III— A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA," E, "IV - OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA."

No Título II, trata "DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS", e, no seu Capítulo II, estabelece os "DIREITOS SOCIAIS', dentre os quais o DIREITO AO TRABALHO.

O artigo 7º afirma que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alem de outros que visem á melhoria de sua condição social, "relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos."; "seguro desemprego, em caso de desemprego involuntário", e "fundo de garantia do tempo de serviço", alem de muitos outros.

No Título VII que se refere à "ORDEM ECONOMICA E FINANCEIRA", consta do artigo 170: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios ....VIII —BUSCADO PLENO EMPREGO."

 

IV -                             Podemos dizer que na maioria dos países modernamente civilizados, e, em particular, naqueles que adotaram oreginie democrático, O DIREITO AO TRABALHO CONSTITUI PRINCIPIO BASILAR PARA A PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA.

O HOMEM SE REALIZA, EM SUA PLENITUDE, ATRAVÉS DO TRABALHO DIGNO E APTO PARA LHE ASSEGURAR, E Á SUA FAMIELIA, CONDIÇÕES DE VIDA SATISFATÓRIAS, NÃO SÓ DE SUAS NECESSIDADES BÁSICAS E VITAIS, MAS TAMBÉM DOS SEUS JUSTOS E LEGÍTIMOS ANSEIOS DE PROGRESSO E DESENVOLVIMENTO ECONOMIECO E SOCIAL.

Com efeito, é com o seu trabalho, seja ele físico ou intelectual, que o homem se afirma como ser capaz de enfrentar e vencer os desafios que envolvem sua vida na terra. Não, porém, com o trabalho escravo, ou com o trabalho marginal, criminoso, ou com os de sub-empregos, ou de atividades precárias, que muitas vezes sequer são suficientes para assegurar a própria subsistência.

V -                              É fácil de se entender, portanto, como A FALTA DE TRABALHO, OU O DESEMPREGO, SÃO NOCIVOS, PREJUDICIAIS E ABSOLUTAMENTE INDESEJÁVEIS.

Quando multidões de pessoas sem trabalho ou sem emprego se formam, premidas pela perda de suas fontes de recursos, que lhes tiram até a moradia e a alimentação, formam-se massas humanas revoltadas e fora de controle, cujas manifestações de protesto não encontram limites, gerando conflitos violentos, saques e destruição. As autoridades se vêem forçadas a usar a força para tentar conte- las, geralmente com resultados dramáticos, cuja repetição e intensidade são formadores dos golpes de estado, revoluções, formação de guerrilhas, ou a própria guerra civil.

Um olhar sobre a história deveria ser suficiente para que a atual geração evitasse a repetição dessas ocorrências.

Lamentavelmente, porém, os homens - particularmente os que governam e os que dirigem os grandes negócios e as grandes empresas do mundo atual, inclusive as instituições financeiras e bancárias - parecem ignorar tais riscos, pois agem de forma temerária, imprudente, visando apenas os seus próprios lucros e vantagens.

O resultado é o que estamos agora vendo, em quase todo o mundo, em avassaladora crise econômica e financeira, causadora do desemprego e da falta de trabalho para milhões de pessoas.

VI -                             O desenvolvimento da tecnologia da comunicação e de novas práticas de mercado, a nível internacional, causaram a chamada "globalização" empresarial e a criação dos grupos econômicos multinacionais ou trans-nacionais, com atuação simultânea e despersonalizada no mundo inteiro.

Os trabalhadores, cada vez mais, são vistos pelos dirigente maiores dessas potências empresariais, como simples peças de uma engrenagem produtiva, facilmente substituíveis ou descartáveis, de acordo com as suas conveniências.

As legislações locais de proteção ao trabalhador tomam-se obsoletas e contrárias aos propósitos lucrativos empresariais, e os governos, quase sempre, dobram-se perante tais interesses, que obviamente também afetam as economias nacionais, admitindo as chamadas "flexibilizações" ou mesmo a revogação de dispositivos legais que beneficiam os trabalhadores.

VII -                            Eis que, em conseqüência da ganância e da imprudência empresarial, inclusive estimulando gastos excessivos por parte da população, gerando inadimplência, começaram a eclodir, primeiro nos Estados Unidos,e agora também na Europa, as quebras e insolvências de grandes grupos, com um efeito cascata dramático.

Em pânico, tais empresas fecham estabelecimentos, filiais, ou paralisam suas próprias atividades em todo o mundo, lançando ao desemprego milhares e milhares de trabalhadores. E os governos de muitos países, tentando evitar o pior, também passam a aumentar os impostos e a cortar salários, vencimentos dos servidores públicos, ou a suprimir direitos dos trabalhadores ou dos cidadãos em geral, para reduzir os seus "déficits" públicos.

VIII -                          As legislações da maior parte dos países possuem os chamados "seguro desemprego", e os contratos de trabalho também prevêem a obrigação empresarial de proporcionar, ao trabalhador dispensado sem justa causa, ou alguma indenização, ou também o encaminhamento a agencias de recolocação para a obtenção de novo emprego.

Mas, na atual conjuntura, é tamanho o volume das dispensas, que os sistemas de seguro-desemprego não estão suportando os custos, e os governos também não dispõem de recursos para supri-los. Por outro lado, não se conseguem as pretendidas recolocações, pois a crise é geral e não há vagas, já que os postos de trabalho estão sendo fechados. E, da mesma forma, se as empresas estão paralisando suas atividades porque não têm meios para prosseguir, nem como pagar suas dívidas, afigura-se evidente que igualmente não têm como satisfazer a obrigação de indenizar os trabalhadores demitidos.

A situação, sem dúvida, em muitos países, é verdadeiramente caótica.

IX -                Como se vê, os direitos fundamentais do trabalhador, especialmente o do DIREITO AO TRABALHO, NÃO ESTÃO SENDO OBSERVADOS.  

Organismos internacionais, particularmente a ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS - através de vários órgãos específicos, inclusive o Fundo Monetário Internacional, estão se movimentando no sentido de acudir os países ou as entidades financeiras em crise.

Mas, ao que parece, não se verifica o mesmo empenho para a proteção dos milhões de trabalhadores lançados ao desemprego, já sem dinheiro, sem casa para morar, e sem recursos sequer para a alimentação.

Poderia haver uma ação mais forte nesse sentido através da OIT - ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO -

Assim como estão sendo destinados recursos do Fundo Monetário Internacional e até mesmo de outros países de economia mais sólida para socorrer as empresas já moribundas, poder-se-ia cogitar da criação de um Fundo Especial para os Governos injetarem recursos para o Seguro —Desemprego ou para indenizações trabalhistas, coordenado e supervisionado pela OIT.

Há também problemas de natureza jurídica que estão surgindo em razão dessa crise e da globalização. Se uma empresa globalizada, cuja matriz é em determinado país, fecha sua filial ou sua empresa associada em outro país, de maneira súbita e sumária, com a dispensa dos respectivos empregados,e sem nada lhes pagar, onde e contra quem poderão esses empregados ajuizar alguma ação para tentar o recebimento de seus haveres?

Se isso ocorresse no Brasil, a ação deveria ser ajuizada no foro do local da prestação dos serviços, ou seja, na comarca onde estava instalada a filial ou a empresa empregadora. Entretanto, não mais existiria, no Brasil, essa empresa. Teria ela, então, que ser citada através de Carta Rogatória? E depois, como se faria uma execução, se não há bens no Brasil? Nem mesmo sócios? Também por Carta Rogatória, com todas as formalidades burocráticas e diplomáticas ? Haveria o reconhecimento do 'grupo econômico" no país onde se situa a empresa-mãe internacional ?

Veja-se a dificuldade que haveria para o trabalhador procurar receber o que lhe seria devido.

Hoje, certamente já existirão milhares de situações dessa natureza, o que não é justo para os trabalhadores que sempre dedicaram o melhor de seus esforços para os seus empregadores, e que não são culpados, nem responsáveis pela crise internacional.

É preciso, portanto, que se procurem soluções mais rápidas e eficazes para o atendimento das necessidades dos trabalhadores dispensados, para que não se agravem ainda mais os problemas sociais nos vários países afetados pela crise, talvez através de Resoluções emergenciais da O.LT, ou até com a criação de um Tribunal Internacional do Trabalho, para conhecer, conciliar e julgar as ações dos trabalhadores despedidos em razão da situação excepcional que o mundo atravessa.

Que o presente artigo possa de alguma forma contribuir para reforçar a conscientização da gravidade dos problemas sociais, e o encontro de caminhos para minorar suas conseqüências,é o nosso desejo.

São Paulo, 29 de maio de 2010.