O LUGAR DOS SISTEMAS JURÍDICOS LUSÓFONOS

ENTRE AS FAMÍLIAS JURÍDICAS*

 

Dário Moura Vicente

Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

 

Sumário

 

I – Introdução

1. A recepção de ordens jurídicas estrangeiras e o seu significado histórico nos sistemas lusófonos.

2. Convergência de sistemas jurídicos e pluralismo jurídico.

3. Famílias e tradições jurídicas.

4. Indicação de sequência.

 

II – Common Law e Civil Law num mundo «globalizado»

 

5. As raízes romanas.

 

6. As fontes e o método.

7. O direito subjectivo.

8. Estado de Direito e Rule of Law.

 

9. Ideais e valores.

 

10. Convergência entre os sistemas de Common e de Civil Law.

 

III – A família jurídica romano-germânica e os ramos em que se divide

 

11. Uma ideia de Direito comum.

12. Sistemas de matriz francesa e sistemas de matriz germânica.

 

IV – Os sistemas jurídicos lusófonos e o seu lugar entre as famílias jurídicas

 

13. Traços de união entre os sistemas jurídicos lusófonos.

14. Factores de diferenciação desses sistemas.

15. Caracterização dos sistemas jurídicos lusófonos.

 
 

I

Introdução

 

            1. A recepção de ordens jurídicas estrangeiras e o seu significado histórico nos sistemas lusófonos. – A evolução dos sistemas jurídicos é largamente tributária de fenómenos de recepção, ou transplante, de ordens jurídicas estrangeiras ou passadas[1]. Entre eles sobressai a recepção do Direito Romano, ocorrida, como se sabe, em vários países do continente europeu a partir do século XII[2]. Uma «segunda vaga» de recepções[3] teve lugar com a introdução das grandes codificações europeias em vários países e territórios deste e de outros continentes, nos séculos XIX e XX. E uma «terceira vaga» registou-se na segunda metade do século pregresso, por via da difusão na Europa continental de novos tipos contratuais oriundos do universo jurídico anglo-saxónico (em particular o norte-americano), como o leasing, o factoring, o franchising, etc., e da consagração legal e jurisprudencial de regimes especiais de responsabilidade civil, igualmente emanados dos Estados Unidos da América, entre as quais a do produtor, a dos médicos e a dos provedores de serviços de Internet[4].

Vários fenómenos de recepção visaram especificamente o Direito português. Está neste caso o que ocorreu no Brasil, após a independência, onde o art. 1.º da Lei de 20 de Outubro de 1823 estabeleceu:

 

«As Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quais o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelissima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcântara, como regente do Brazil, em quanto Reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negocios do interior deste Império, emquanto se não organizar um novo Código, ou não forem especialmente alteradas.»

 

Em virtude desta disposição legal, as Ordenações Filipinas permaneceram em vigor no Brasil até 1 de Janeiro de 1917, data em que começou a aplicar-se o novo Código Civil, cujo art. 1807 as revogou no tocante às matérias por ele reguladas. Mas também este diploma legal, não obstante os traços de originalidade que o caracterizavam, preservou em múltiplos aspectos a tradição jurídica portuguesa – porventura até mais fielmente do que o próprio Código Civil português de 1867[5]. Mais recentemente, o Código Civil brasileiro de 2002 reavivou a ligação entre os sistemas jurídicos dos dois países, ao aproximar-se, em várias das suas disposições, do Código português de 1966[6].

            A assimilação de valores jurídicos nacionais deu-se igualmente em outras antigas possessões ultramarinas portuguesas. Foi o que sucedeu em Goa, Damão e Diu. Aí vigoram ainda, por força do Goa, Daman and Diu Administration Act 1962, as disposições do Código Civil português de 1867 respeitantes, designadamente, ao Direito da Família (como, por exemplo, as que estabelecem o regime supletivo de bens do casamento, que é naquele território, como dispunha o referido Código, o da comunhão geral) e ao Direito das Sucessões, assim como diversa legislação avulsa portuguesa sobre as mesmas matérias, incluindo a Lei do Divórcio de 1910[7]. Essas disposições desempenham, aliás, um importante papel na integração das diferentes comunidades religiosas (cristãs, hindus e muçulmanas) que habitam naqueles territórios, incorporados na União Indiana em 1961.

Também nos países africanos de expressão oficial portuguesa foi preservado, por força de disposições constitucionais transitórias, o Direito português anterior à independência[8]. Continua, assim, em vigor naqueles países o Código Civil de 1966. Foram, é certo, entretanto adoptadas novas leis, algumas das quais alteraram significativamente o Direito anterior[9]. Mas em muitos casos essas leis inspiram-se igualmente no Direito português e acompanham a evolução recente deste. Assim sucedeu, por exemplo, na Guiné-Bissau, com a lei da arbitragem voluntária, de 2000[10]; em Angola, com a lei sobre as cláusulas contratuais gerais, de 2002, e a lei sobre as sociedades comerciais, de 2004[11]; e em Moçambique, com o Código Comercial, de 2005[12].

Em Macau, o Direito vigente filia-se também na tradição portuguesa, tendo a Lei Básica deste território mantido em vigor a legislação local após a transferência da respectiva administração para a República Popular da China, ocorrida em 1999[13]. Deu-se assim cumprimento ao que ficara acordado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, de 1987[14]. Na referida legislação incluem-se o Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código Comercial, adoptados entre 1995 e 1999, através dos quais se procurou modernizar e adaptar à realidade local a legislação portuguesa[15].

Timor-Leste é um caso particular. A ocupação deste antigo território português pela Indonésia, entre 1975 e 1999, determinou a aplicabilidade, durante este período, das leis indonésias[16]. O Direito português cessou então a sua vigência de facto. Mas o novo Direito deste país, em formação desde a independência, reflecte também a cultura jurídica portuguesa – bem patente, por exemplo, na Constituição de 2002 e no projecto de Código Civil divulgado pelo Ministério da Justiça em 2008.

 

2. Convergência de sistemas jurídicos e pluralismo jurídico. – Os fenómenos de recepção de ordens jurídicas estrangeiras são apenas uma das formas possíveis da interacção entre sistemas jurídicos, que caracteriza o Direito contemporâneo. Outras manifestações dessa interacção, de igual importância, incluem a formação, ocorrida sobretudo ao longo do último século, de um vasto número de sistemas jurídicos mistos, ou híbridos, nos quais se conjugam as características distintivas de sistemas integrados em diferentes famílias jurídicas[17]; e as múltiplas iniciativas, levadas a cabo desde os finais de Oitocentos (primeiro na Europa e depois à escala universal), que tiveram em vista a harmonização e a unificação do Direito Privado através de instrumentos jurídicos de fonte internacional ou supranacional[18].

A importância desses fenómenos levou alguns a concluirem que estaria em curso uma inexorável «diluição de fronteiras» ou, pelo menos, uma «convergência gradual» dos sistemas jurídicos nacionais[19]. Esta conduziria, no limite, à formação de um novo Ius Commune, de âmbito regional ou mesmo universal, que se supõe mais adaptado às necessidades da economia moderna, maxime as resultantes da intensificação das trocas internacionais e da facilitação das comunicações à distância[20].

O certo, porém, é que a pluralidade e a diversidade dos sistemas jurídicos nacionais não só não se desvaneceram como se acentuaram até nas últimas décadas, mercê, designadamente, da formação de novos Estados proporcionada pelas sucessivas descolonizações ocorridas a partir dos anos cinquenta e da desintegração do bloco político-económico centrado na antiga União Soviética, nos anos noventa. A própria «globalização» ou «mundialização» da economia concorreu nesse sentido, em virtude da especialização das produções agrícolas e industriais que fomentou e da diversificação dos problemas sociais que lhe é inerente.

De resto, à referida aproximação dos sistemas jurídicos nacionais não são alheios certos riscos, entre os quais avulta o de as regras que os integram se distanciarem excessivamente das necessidades reais das sociedades em que se destinam a vigorar e do sentimento de justiça prevalecente entre os seus membros, em detrimento do princípio da adequação que deve nortear toda a regulação jurídica da vida social[21].

Por outro lado, a indiscriminada assimilação de modelos jurídicos alheios, tal como outras formas de interacção cultural que caracterizam a nossa era, envolve o duplo perigo, para o qual Bento XVI alertou recentemente[22], do ecletismo cultural e do nivelamento de culturas, bem como do relativismo e da homogeneização dos comportamentos e estilos de vida que lhes andam associados – em suma, de perda da identidade cultural.

A intensificação do intercâmbio económico, político e cultural, certamente desejável enquanto factor de desenvolvimento e garantia da convivência pacífica entre os povos, não é, a nosso ver, incompatível com a preservação de um certo grau de pluralismo jurídico, tomado aqui como a coexistência de sistemas jurídicos distintos, que constituem a expressão normativa de mundividências diversas e de valores e ideais diferenciados[23].

 

3. Famílias e tradições jurídicas. – É justamente desse pluralismo que o Direito Comparado procura dar conta. Para tal, este ramo da Ciência Jurídica ordena os sistemas jurídicos em tradições ou famílias jurídicas – entendidas as primeiras como formas típicas de conceber o Direito, que encarnam historicamente em certo ou certos sistemas jurídicos, e as segundas como grupos de sistemas jurídicos que partilham um conceito de Direito. Este último define-se a partir do entendimento prevalecente em cada sistema jurídico quanto a certas questões fundamentais, como a relevância do Direito enquanto forma de regulação da vida social, as funções precípuas que lhe pertencem, as suas fontes, os valores primordiais a cuja realização se dirige, os meios preferenciais de resolução de litígios, os métodos de descoberta da solução dos casos singulares, o papel dos juristas e o modo predominante da sua formação.

A verdade, porém, é que não há – nem existiu nunca – unanimidade de vistas quanto à identificação dessas famílias e tradições jurídicas.

Certo, a generalidade dos autores admite a existência de uma família ou tradição jurídica de Common Law (ou anglo-americana), compreendendo os Direitos inglês e norte-americano, e outra de Civil Law (ou romano-germânica), na qual se incluem os sistemas jurídicos da maior parte dos países da Europa continental[24]. Alguns admitem ainda uma família jurídica islâmica ou muçulmana, em que se inserem os sistemas jurídicos vigentes nos países africanos e asiáticos onde predomina o Islamismo e em que a Xaria constitui a fonte primordial de Direito. Mas já não pode dizer-se inteiramente pacífica a autonomização de uma família jurídica lusófona, ou lusitana, integrada pelos sistemas jurídicos dos países de língua oficial portuguesa, como sugeriu Erik Jayme[25], recentemente secundado por Carl Friedrich Nordmeier[26].

 

4. Indicação de sequência. – É deste último problema que vamos ocupar-nos na presente exposição. Para tanto, enunciaremos em primeiro lugar os traços distintivos fundamentais das duas famílias jurídicas mencionadas em primeiro lugar – matéria que assume especial interesse no contexto deste estudo porquanto, como veremos, alguns sistemas jurídicos lusófonos se situam hoje na linha de fronteira entre Common Law e Civil Law (II). Procuraremos em seguida identificar, caracterizando-os sucintamente, os principais ramos em que se divide a família jurídica romano-germânica (III). Na base dos elementos assim recolhidos, tentaremos determinar, por fim, o lugar dos sistemas jurídicos lusófonos entre as referidas famílias jurídicas (IV).

 

II

Common Law e Civil Law num mundo «globalizado»

 

Ora, o que distingue, no essencial, as famílias jurídicas romano-germânica e de Common Law? A resposta a esta pergunta prestar-se-ia a grandes desenvolvimentos, que não podemos levar a cabo aqui. Limitar-nos-emos, por isso, a assinalar alguns dos pontos de clivagem mais relevantes entre estas duas famílias jurídicas[27].

 

5. As raízes romanas.O primeiro deles prende-se com a influência determinante que o Direito Romano exerceu sobre a formação da família romano-germânica. É ele, com efeito, que está na origem de muitas das suas instituições e categorias próprias, incluindo a summa divisio entre Direito Público e Privado[28], a sistematização deste último em razão das pessoas, das coisas e das acções (personae, res, actiones)[29], o conceito de obrigação (obligatio)[30] e a classificação das obrigações em contratuais, quase-contratuais, delituais e quase-delituais[31]. O Direito Romano vigorou, além disso, como Direito subsidiário em diversos países europeus, incluindo Portugal, onde coexistiu com Direito nacional de fonte legislativa e consuetudinária[32].

Diferentemente, os sistemas jurídicos de Common Law ficaram, no essencial, imunes à influência do Direito Romano. Não que este fosse desconhecido deles, pois chegou a ser ensinado nas Universidades inglesas. Mas na Idade Média a aplicação das fontes romanas foi rejeitada pelos juristas ingleses e proscrita por decisão real. Na raiz deste fenómeno terá estado, por um lado, o receio de que a recepção do Direito Romano conduzisse a uma restrição das liberdades individuais consagradas no Direito inglês, então de fonte essencialmente consuetudinária[33]; e, por outro, a circunstância de a administração da justiça ter sido centralizada em Inglaterra, desde muito cedo, nos tribunais reais e de se ter formado, na base das decisões por estes proferidas, um Direito comum a todo o reino, que gradualmente absorveu e substituiu os costumes locais – algo que só muito mais tarde sucederia na Alemanha, em França e em Portugal.

 

6. As fontes e o método. – Parece inequívoco que em ambas as famílias jurídicas em apreço o Direito assume uma função nuclear na regulação da vida social. É, contudo, fundamentalmente diverso o modo como se descobre nelas a solução do caso singular.

Na família romano-germânica, pese embora a contemporânea crise do normativismo, prevalece ainda a tendência para deduzir de normas previamente formuladas para uma generalidade de situações abstractamente definidas o comando que há-de governar as situações concretas da vida[34].

É, aliás, à luz dessas normas que a própria matéria de facto deve ser delimitada e posteriormente apreciada pelos tribunais. Reflecte esta orientação o art. 511.º do Código de Processo Civil português, ao estabelecer:

 

«O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.»

 

Nos sistemas de Common Law não existe norma equivalente. Os tribunais partem aí dos factos. Não há uma definição prévia da norma aplicável, a qual apenas surge, as mais das vezes, na própria decisão do caso, correspondendo à respectiva ratio decidendi. Esta, por seu turno, apenas pode ser determinada na base de uma ponderação dos factos, dos quais é indissociável.

Compreende-se assim que nos sistemas romano-germânicos se distinga a jurisdição contenciosa, decidida segundo critérios normativos, da jurisdição graciosa, baseada em critérios de conveniência e oportunidade; distinção esta que não é feita nos sistemas de Common Law.

Prefere-se geralmente nestes últimos a valoração das situações concretas da vida à luz da solução anteriormente dada a casos idênticos ou análogos e dos policy issues por elas suscitados. Por isso pôde Oliver Wendell Holmes afirmar que «a essência do Direito não é a lógica, mas antes a experiência»[35]. Mais do que um sistema de normas e princípios, o Direito é tido na família de Common Law como um conjunto de «remédios jurídicos», criados caso a caso pela jurisprudência. Tende, pois, a vingar nela uma perspectiva jurisdicionalista do Direito. Este evolui essencialmente por pequenos incrementos, gerados pelas decisões judiciais e ditados pelas necessidades da vida; não através de reformas legislativas.

Vem daqui o lugar proeminente conferido à jurisprudência nos sistemas de Common Law, que a elevam à condição de fonte primordial de Direito através da força vinculativa reconhecida aos precedentes judiciais. Já as normas legais possuem nesses sistemas carácter excepcional; e quando existem revestem-se de um grau de abstracção notoriamente inferior ao das normas legais dos sistemas romano-germânicos.

 

7. O direito subjectivo. Frequentemente, a aplicação das normas traduz-se, na família romano-germânica, no reconhecimento de um direito subjectivo[36]. Este é tido predominantemente, desde Savigny[37], como um poder jurídico: o poder de exigir de outrem certa conduta ou de produzir certos efeitos na esfera jurídica alheia. Gerou-se, aliás, nesta família jurídica uma cultura dos direitos, patente na ideia, proclamada por Jhering, segundo a qual a «luta pelo direito subjectivo» constitui um dever do seu titular para consigo próprio e de todos para com a sociedade[38].

Consagra-se nos sistemas integrados nessa família jurídica, além disso, um direito de acção. «A todo o direito», diz o art. 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil português, «excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção».

Ubi ius, ibi remedium: este, em suma, o princípio que domina a matéria em apreço nos sistemas romano-germânicos.

Outra foi, durante muito tempo, a orientação que prevaleceu em Inglaterra, onde os tribunais reais só deferiam as pretensões a que correspondesse uma acção («form of action») apropriada. A existência de um meio processual adequado condicionava, assim, o reconhecimento dos direitos subjectivos: «where there is a remedy, there is a right»[39].

O conceito de direito subjectivo não era, pois, conhecido em Inglaterra. O que bem se compreende. Esse conceito constituiu, na Europa Continental, um instrumento de liberdade: a sua afirmação pelo humanismo racionalista desempenhou um papel importante na superação da sociedade feudal e do Antigo Regime. Ora, em Inglaterra as liberdades individuais já se encontravam asseguradas pelo Common Law no termo da Idade Média.

Eis por que o Direito medieval inglês não consistiu num sistema de normas e direitos subjectivos, como os Direitos continentais, mas antes num sistema de acções.

No final do séc. XIX foi, é certo, abolida a tipicidade das acções na reforma judiciária então empreendida em Inglaterra. Mas esse facto não erradicou uma específica forma de pensar, que prevalecera durante séculos: as velhas forms of action transformaram-se então em causas de pedir («causes of action»)[40]. Estas são os factos susceptíveis de fundamentarem uma pretensão deduzida em juízo («claim»), que o demandante tem de invocar e provar. Assim, por exemplo, numa acção de responsabilidade civil, a «cause of action» é um dos delitos («torts») previstos pelo Common Law (como, por exemplo, o tort of trespass e o tort of negligence). Dado que estes últimos são típicos – pois não há em Inglaterra uma cláusula geral de responsabilidade civil –, são também típicas as correspondentes causas de pedir. Em ordem a demonstrar a existência de uma causa de pedir, é necessário aduzir os factos que consubstanciam os elementos de cada um desses torts. Assim, por exemplo, em matéria de negligence haverá que provar a existência de um dever, a violação deste, uma «causa próxima» e um dano. O direito subjectivo não integra, pois, os elementos do tort. E também não é suficiente, para que haja responsabilidade, a invocação de que foi violado um direito e de que daí decorreu um dano para alguém: em Inglaterra, nem toda a violação de um direito subjectivo confere ao seu titular um direito de acção[41].

Em suma, evoluiu-se em Inglaterra de um sistema de acções típicas para um sistema de causas de pedir típicas; mas não se passou deste para um sistema de direitos subjectivos[42].

Também nisto se revela a concepção jurisdicionalista do Direito que subjaz ao sistema jurídico inglês, à qual se contrapõe a concepção normativa própria dos sistemas de Civil Law.

 

8. Estado de Direito e Rule of Law. – Outro traço distintivo da família romano-germânica é a circunstância de o funcionamento dos poderes constituídos se subordinar nela a regras jurídicas, que visam impedir o arbítrio e a prepotência: tal a ideia reitora do princípio do Estado de DireitoRechtsstaat», «État de Droit»), que, nascido na Alemanha no século XIX, daí irradiou para os demais países do continente europeu. Esse princípio postula, além do mais, a separação de poderes, que obteve expressão literária de relevo na obra de Montesquieu[43]. São ainda corolários dele a soberania popular, a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana, a independência dos tribunais, a vinculação da administração pública à lei e a protecção da confiança individual nas suas diferentes expressões[44].

É igualmente a separação de poderes (ou pelo menos certo entendimento dela) que explica a importância conferida à lei como fonte de Direito na família jurídica romano-germânica. Nascido com a revolução francesa, o culto da lei marca ainda hoje muito profundamente os sistemas jurídicos da Europa continental, que sob este ponto de vista se distinguem claramente dos de Common Law.

Por certo que também nos sistemas de Common Law o princípio do Estado de Direito («rule of law») desempenha um papel nuclear na legitimação do poder político e do Direito constituído. Mas o entendimento dominante desse princípio é, nestes sistemas jurídicos, diverso do que prevaleceu na família romano-germânica[45]. O rule of law compreende, com efeito, na formulação que lhe deu Albert Venn Dicey[46], três elementos fundamentais: o Estado («Government») está subordinado ao Direito e exerce o seu poder sobre os cidadãos exclusivamente através dele («primacy of law»); todos os cidadãos, incluindo os funcionários e agentes administrativos, estão igualmente submetidos ao Direito e à jurisdição dos tribunais comuns equality before law»); e as regras da Constituição não são a fonte, mas antes a consequência, das decisões pelas quais os tribunais definem e tornam efectivos os direitos individuais. A separação de poderes não integra, pois, os corolários do rule of law. Daí, por exemplo, que no Reino Unido o Supremo Tribunal fosse até recentemente parte de uma das câmaras do Parlamento (a House of Lords). Daí também que nos Estados Unidos pertençam às agências administrativas federais vastos poderes jurisdicionais, que revelam a inexistência neste país de uma reserva de jurisdição: esta dá aí lugar a um equilíbrio de poderes assente na ideia de «freios e contrapesos» (checks and balances).

 

9. Ideais e valores. – Como valores jurídicos fundamentais, avultam na família jurídica romano-germânica, desde a revolução francesa, a liberdade, a igualdade e a solidariedade. Ora, a liberdade e a igualdade são também grandes ideais no mundo de Common Law – porventura mais a primeira do que a segunda, como o revela a História dos Estados Unidos da América no tocante ao tratamento conferido às minorias étnicas, bem como a preocupação com a eficiência económica das soluções jurídicas, que domina a produção científica contemporânea naquele país[47]. Já a ideia de solidariedade tem menor expressão nos sistemas anglo-saxónicos, ao menos na disciplina das relações entre privados[48].

 

10. Convergência entre os sistemas de Common e de Civil Law. – Estas diferenças de forma e de espírito dos sistemas de Common e de Civil Law não têm obstado à ocorrência de fenómenos de convergência entre eles[49].

Esses fenómenos são particularmente nítidos nos sistemas jurídicos híbridos ou mistos. É o caso do Direito de Goa, Damão e Diu. As disposições do Código Civil português de 1867, que, como dissemos, ainda aí vigoram, coexistem nesses territórios do antigo Estado Português da Índia com outras, de inspiração anglo-saxónica, cuja aplicabilidade resulta da extensão aos mesmos do Direito vigente na República da Índia[50]. Lentamente, porém, a técnica legislativa anglo-saxónica tem-se alargado à regulação das matérias em que persiste, quanto às soluções de fundo, a tradição portuguesa[51].

 

A convergência entre os sistemas jurídicos em exame deu-se também, posto que de forma mais mitigada, no Brasil, onde se manifestou sobretudo no Direito Constitucional. A Constituição brasileira de 1891 consagrou o modelo constitucional norte-americano, reconhecível, designadamente, no modelo federal do Estado, então adoptado, no acolhimento do sistema de governo presidencialista e no papel atribuído ao poder judiciário, que passou a ter no seu vértice um Supremo Tribunal Federal dotado de poderes de fiscalização da constitucionalidade das leis[52]. Este esquema constitucional passou, bem que atenuado, para as constituições brasileiras posteriores[53]. Mas a influência norte-americana não se cingiu à conformação dos poderes constituídos: à época da referida Constituição, o Common Law e a Equity valiam como Direito subsidiário nos casos submetidos aos tribunais federais brasileiros[54].

 

Não obstante o exposto, a distinção entre Common Law e Civil Law perdura. Assim sucede inclusivamente nos sistemas jurídicos híbridos, pois verifica-se em muitos deles uma repartição de «esferas de influência» dos Direitos que constituem a sua matriz. Assim, por exemplo, a influência do Common Law inglês em Goa incide predominantemente sobre a disciplina de matérias de Direito Público, bem como sobre as questões relativas à organização judiciária e à actividade comercial; já o Direito de origem portuguesa abrange aí sobretudo a disciplina das relações entre privados e, em especial, o estatuto pessoal das pessoas singulares. Este padrão repete-se no Brasil, onde, pese embora o acolhimento na Constituição de 1988 de certas regras e institutos oriundos da lei fundamental portuguesa, é sobretudo no Direito Civil que se nota a influência da cultura jurídica lusitana.

 

III

A família jurídica romano-germânica e os ramos em que se divide

 

            11. Uma ideia de Direito comum. – De quanto dissemos até aqui resulta já que entre os sistemas jurídicos que integram a família romano-germânica existem certos traços comuns, que, no seu conjunto, revelam uma específica ideia de Direito – hoc sensu, um modo particular de conceber o Direito, as suas funções e os fins últimos ao serviço dos quais ele se encontra.

Com efeito, o Direito (e não a religião ou as directrizes emanadas de um partido político) é nesses sistemas jurídicos o meio por excelência de regulação da vida social. Ele é, além disso, tido como um instrumento de reforma da sociedade, e não (consoante sucede no Common Law) como a mera expressão normativa das necessidades sociais, tal como estas são interpretadas pelos tribunais. Por outro lado, a fonte primordial do Direito é aí a lei, e não a jurisprudência ou o costume. Contêm-se nos códigos – i. é, as leis que sistematizam, à luz de certos princípios, determinados sectores da ordem jurídica – as expressões mais apuradas das normas legais. O Estado detém o monopólio da função jurisdicional, sendo a arbitragem e os outros meios de resolução extrajudicial de litígios tidos como excepções a esse monopólio. O método de descoberta da solução dos casos singulares é fundamentalmente dedutivo, e não indutivo, partindo-se, para este efeito, da norma para o caso. Os juristas são uma classe profissional autónoma e obtêm o essencial da sua formação nas Universidades. O sistema jurídico encontra-se subordinado, entre outros, aos valores do personalismo ético, subjacente ao reconhecimento a todas as pessoas humanas de um círculo de direitos de personalidade, e da solidariedade, expresso, designadamente, nas limitações à autonomia da vontade resultantes da consagração do princípio da boa fé e da proibição do abuso de direito.

 

            12. Sistemas de matriz francesa e sistemas de matriz germânica. – Pese embora este tronco comum de ideias fundamentais, a família jurídica romano-germânica compreende diversos ramos, que correspondem a outras tantas concretizações dessas ideias. Entre eles destacam-se os sistemas jurídicos de matriz francesa (que compreendem, além do Direito francês, o belga, o espanhol e os dos países sul-americanos de língua castelhana) e os de matriz germânica (em que pontificam o Direito alemão, o suíço e o austríaco)[55].

As expressões legislativas mais emblemáticas destes dois ramos da família romano-germânica são seguramente os Códigos Civis francês e alemão.

O primeiro, datado de 1804, encontra-se estreitamente ligado à revolução francesa, cujo ideário adoptou na regulação das matérias de que se ocupa[56]. A revolução, como se sabe, proclamou como princípios fundamentais a igualdade civil, a liberdade individual, a separação de poderes e a garantia da propriedade privada. Daqui fluíram o primado da lei entre as fontes de Direito e a elevação a princípios fundamentais do Direito Civil da inviolabilidade da propriedade privada, da liberdade contratual e da igualdade sucessória, que o Código acolheu.

Um dos traços distintivos do Código é o acolhimento nele dado ao dogma da vontade, que o art. 1134, 1.º parágrafo, consagrou, ao dispor:

 

 «Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites.»

 

Em França, os contratos civis valem, portanto, como leis entre aqueles que os fizeram. A modificação e a resolução do contrato em caso de alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar só são permitidas neste país pelo que respeita aos contratos administrativos[57]. Contrato é, todavia, nos termos do art. 1101 do Código, apenas a convenção de que nascem obrigações: «Le contrat», diz esse preceito, «est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s’obligent, envers une ou plusieurs autres, à donner, ou à faire ou à ne pas faire quelque chose». Consagra-se assim neste diploma legal um conceito restrito de contrato, que contrasta, como veremos, com o da lei alemã.

Outro ex libris do Código francês é o regime da responsabilidade civil extracontratual. O princípio geral sobre esta matéria consta do art. 1382, segundo o qual:

 

«Tout fait quelconque de l'homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer.»

 

A isto acrescenta o art. 1383 :

 

«Chacun est responsable du dommage qu'il a causé non seulement par son fait, mais encore par sa négligence ou par son imprudence.»

 

A cláusula geral assim acolhida no Código constituiu um progresso significativo relativamente ao sistema da tipicidade dos factos indutores de responsabilidade civil extracontratual (que o Direito inglês ainda consagra), pela superação que possibilita do casuísmo inerente a este. Envolve, todavia, o risco de um alargamento excessivo da responsabilidade, pois que, literalmente entendida, permitiria ligar a toda a causação negligente de um dano de qualquer espécie a obrigação de indemnizar. A delimitação das interferências na esfera jurídica alheia geradoras de responsabilidade extracontratual – em particular mediante a concretização do conceito de faute – é, assim, fundamentalmente cometida aos tribunais. Esta a razão por que o Direito delitual francês é hoje essencialmente de fonte jurisprudencial, apenas podendo ser compreendido o alcance dos referidos preceitos à luz das decisões dos tribunais superiores que se ocuparam deles. O sistema francês é, neste particular, potencialmente gerador de alguma insegurança.

De França, o Código irradiou para outros países, sobretudo aqueles em que se fez sentir mais duradouramente a influência política e cultural francesa. Estão neste caso os Países Baixos, a Itália e a Espanha, que se dotaram, respectivamente, em 1838, 1865 e 1889, de códigos civis de matriz francesa.

A codificação francesa colocou a Alemanha perante a questão da oportunidade de uma codificação do seu próprio Direito Civil. A orientação favorável à codificação viria a triunfar, mas só muito mais tarde. Ao que não foi alheia a circunstância de apenas em 1871 se ter consumado a unificação da Alemanha, sob a égide de Bismarck.

Os trabalhos preparatórios do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch ou BGB) iniciaram-se em 1873, tendo sido elaborados três projectos. O último deles, publicado em 1896, entrou em vigor em 1900.

A sistematização e o aparato conceptual do Código são essencialmente os da Ciência das Pandectas, tal como esta havia sido exposta, entre outros, por Windscheid, que integrara a comissão redactora do primeiro projecto e exercera sobre ela grande influência[58]. O Código Civil alemão reflecte, nesta medida, como já foi muitas vezes notado, um «Professorenrecht».

O Código compreende uma Parte Geral, na qual se contêm regras comuns a todas as categorias de relações jurídicas. Seguem-se-lhe quatro livros, dedicados, respectivamente, ao Direito das Obrigações, ao Direito das Coisas, ao Direito da Família e ao Direito das Sucessões.

Esta sistematização, e em particular a autonomização de uma Parte Geral, funda-se num princípio de economia, de acordo com o qual o sistema jurídico deve ser integrado pelo menor número possível de normas[59]. Em lugar de estabelecer normas próprias para cada categoria de situações típicas da vida (como fizera o Allgemeine Landesrecht prussiano de 1794), o BGB propôs-se estender as mesmas normas ao maior número possível de situações. O que impôs que se generalizasse ao máximo cada uma delas. Vem daqui a tendência do Código germânico para a abstracção, que o distingue do seu homólogo francês[60].

Manifestações por excelência dessa tendência são os conceitos de negócio jurídico («Rechtsgeschäft») e de declaração de vontade («Willenserklärung»), em que assenta boa parte do regime normativo dos contratos no BGB[61]. Reflecte-a igualmente a concepção ampla de contrato acolhida no Código, conforme a qual este é um acordo de vontades tendente à produção de efeitos jurídicos, qualquer que seja a sua natureza – i. é, um negócio jurídico bilateral[62].

Tendo evidentes vantagens sob o ponto de vista da economia dos preceitos legais, esta técnica legislativa torna contudo muito complexa a resolução dos casos singulares e requer uma preparação técnica especial naqueles que hajam de aplicar os preceitos legais[63]. Ao contrário da codificação francesa, o BGB não se quis, manifestamente, acessível aos leigos.

Outra consequência da técnica legislativa adoptada na redacção do Código alemão e do alto grau de abstracção dos preceitos que o integram é o relevo conferido à subsunção do caso concreto sob os conceitos gerais e abstractos que delimitam o âmbito das regras potencialmente aplicáveis, das quais se deduz depois a solução daquele. Uma vez que ao juiz é em princípio vedada a criação de Direito, a sua tarefa centrar-se-á muitas vezes nessa operação, sem olhar às finalidades sociais visadas pelas normas em causa. Ficam assim um tanto na sombra os valores e interesses em jogo, bem como as circunstâncias do caso concreto. Não falta, por isso, quem veja na Parte Geral do Código alemão o triunfo do formalismo jurídico[64].

Mas o Código consagrou um considerável número de cláusulas gerais, que permitiram à jurisprudência alemã, ao longo do século XX, adaptar o Direito Civil às novas necessidades sociais e aos sistemas de valores imperantes na comunidade. Entre elas avulta a boa fé (Treu und Glauben), consignada no § 242[65]. Foi a partir desta que os tribunais germânicos edificaram, por exemplo, o regime da culpa in contrahendo, assente na ideia – sem paralelo no Direito francês – de que se constitui na fase pré-contratual uma relação obrigacional integrada exclusivamente por deveres de protecção, cuidado e lealdade, cuja violação importa a responsabilidade civil do infractor[66]. E foi também com referência a essa cláusula geral que a doutrina e a jurisprudência alemãs desenvolveram a figura da «base do negócio» (Geschäftsgrundlage), que se tem por prejudicada quando ocorra, em consequência de uma alteração imprevista de circunstâncias, uma perturbação da equivalência das prestações contratuais[67]. Esta confere à parte lesada, em determinadas condições, um direito à adaptação do contrato, algo que, como dissemos, não é admitido em França em matéria civil.

Igualmente distinta da do Código francês é a orientação adoptada pelo BGB em matéria de responsabilidade civil extracontratual.

O primeiro projecto do Código Civil alemão continha ainda uma cláusula geral de responsabilidade civil, de estilo francês. Fundava-se ela na preocupação em assegurar uma protecção suficiente contra actos ilícitos, que um dever de indemnização restrito a delitos enunciados de modo não exaustivo seria insusceptível de levar a efeito. Essa solução foi, porém, afastada no segundo projecto, por não corresponder à concepção dominante na Alemanha acerca da função judicial e também a fim de evitar os excessos cometidos em certas decisões dos tribunais franceses. O texto aprovado pela comissão revisora do Código visou, por isso, fornecer ao juiz um critério objectivo de apreciação dos pressupostos do dever de indemnizar, precisando as modalidades de ilicitude determinantes de responsabilidade e enunciando os direitos através dela protegidos.

Foi esta orientação fundamental que veio a triunfar no BGB. Este estabelece em matéria delitual três «pequenas cláusulas gerais»[68]: o § 823 (1), que responsabiliza aquele que, com dolo ou negligência, lesar ilicitamente a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou outro direito alheio; o § 823 (2), que responsabiliza aquele que viole uma disposição legal destinada à protecção de outrem; e o § 826, que responsabiliza quem, dolosamente, provoque danos a alguém atentando contra os bons costumes.

O Direito delitual germânico é assim marcado por uma atitude de prudência em matéria de ressarcimento de danos: estes ou atingem bens jurídicos essenciais da pessoa – a vida, a integridade física, a propriedade – e geram responsabilidade extracontratual; ou resultam da violação de obrigações preexistentes, originando então responsabilidade contratual. O dano patrimonial puro, que não resulte da violação de obrigações, não é em princípio ressarcível[69]. Com isto pretende-se limitar o número de potenciais credores de indemnização e garantir a liberdade de acção de cada um.

 

IV

Os sistemas jurídicos lusófonos e o seu lugar entre as famílias jurídicas

 

13. Traços de união entre os sistemas jurídicos lusófonos. – Caracterizadas que estão as principais famílias jurídicas contemporâneas, importa agora determinar, por referência a elas, onde se situam os sistemas jurídicos lusófonos.

Estes apresentam, inequivocamente, certos traços de união, que permitem configurá-los como um grupo dotado de certa autonomia e coesão.

Esses traços decorrem, desde logo, do facto de o mesmo Direito ter vigorado (e em parte ainda vigorar) neles, bem como de as suas fontes legais se exprimirem numa língua comum e de os juristas formados nesses sistemas partilharem, em larga medida, os mesmos quadros mentais.

No Direito Privado, não será demais sublinhar a este respeito a circunstância, já mencionada, de o Código Civil português ser aplicável nos países africanos de língua oficial portuguesa, excepto em matéria de Direito da Família: a Constituição Civil destes países (como já se lhe chamou) é, pois, ainda hoje fundamentalmente a mesma. Além disso, o Código português serviu de base ao Código Civil de Macau e ao projecto de codificação civil timorense. No Brasil, o Código Civil de 2002 recebeu também do Código português importantes elementos de inspiração: é ver, por exemplo, o relevo dado na Parte Geral à tutela dos direitos de personalidade[70], ao negócio jurídico[71] e à representação[72], figuras que o Código de 1916 não disciplinava autonomamente; atente-se ainda no acolhimento nele reservado à boa fé como cânone hermenêutico dos negócios jurídicos e como regra de conduta que se impõe aos contraentes[73], na proscrição do abuso de direito[74] e na inserção do enriquecimento sem causa entre as fontes das obrigações[75]. Mas importa referir que também o Direito português se tem mostrado permeável à influência brasileira. Esta pode ser detectada, por exemplo, no Anteprojecto de Código do Consumidor[76], que é tributário de várias soluções consignadas no Código brasileiro de Defesa do Consumidor – a vários títulos pioneiro –, desde a própria opção pela codificação (que não é pacífica em Portugal e noutros países europeus[77]) até à consagração, no plano organizatório, de um «sistema nacional de defesa do consumidor».

No Direito Público, tem sido salientada a afinidade entre a Constituição portuguesa e as dos países africanos de língua portuguesa e de Timor-Leste, patente, designadamente, na consagração do princípio republicano, com a eleição directa do Chefe de Estado, do princípio do Estado unitário, com a rejeição do federalismo, e do princípio do Estado social, com a atribuição de um relevante papel ao Estado na organização social e económica[78]. Igualmente significativo é o acolhimento dado em vários daqueles países ao sistema de Governo semi-presidencialista, posto que o mesmo assuma neles diferentes cambiantes[79]. Não menos relevantes são as semelhanças entre os regimes constitucionais desses países em matéria de actos legislativos, particularmente em virtude da centralidade conferida ao Governo neste particular[80]. Por seu turno, a Constituição brasileira, pese embora o arrimo já referido ao modelo norte-americano, consagra também certas regras e institutos oriundos da lei fundamental portuguesa. Sobressaem, a este propósito, a disposição que define a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito e as que acolhem certos direitos fundamentais, como os direitos à segurança social e à protecção da saúde, a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão e os limites materiais à revisão constitucional[81].

 

14. Factores de diferenciação desses sistemas. – Não obstante o exposto, fazem-se sentir hoje, tanto em Portugal como nos demais países e territórios lusófonos, poderosas forças centrífugas, que operam no sentido de uma diferenciação dos respectivos sistemas jurídicos.

Entre elas avultam, em Portugal, a integração na União Europeia (pese embora o interesse que os actos de Direito Comunitário têm suscitado nos demais países de língua oficial portuguesa e a repercussão que têm tido nos Direitos locais); no Brasil, a integração no Mercosul e a proximidade geográfica, económica e jurídica relativamente aos Estados Unidos (particularmente sentida, como notámos, no Direito Público); nos países africanos de língua oficial portuguesa, a integração na Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), de que são membros Cabo Verde e a Guiné-Bissau, na Organização Para a Unificação do Direito dos Negócios em África (OHADA), cujos actos uniformes são hoje directamente aplicáveis em dezasseis países deste continente, incluindo a Guiné-Bissau[82], na União Económica e Monetária Oeste-Africana (UEMOA), de que é também parte a Guiné-Bissau, e na Comunidade de Desenvolvimento do África Austral (SADC), a que pertencem Angola e Moçambique; em Goa, a integração na República da Índia, posto que como Estado dotado de autonomia legislativa; em Macau, a integração como Região Administrativa Especial na República Popular da China; e em Timor-Leste, a projectada adesão deste país à Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), na qual já possui o estatuto de observador.

Por outro lado, nos países africanos de língua oficial portuguesa e em Timor-Leste o Direito consuetudinário assume – por força até de disposições constitucionais[83] – uma importância sem paralelo em Portugal, sendo muitas vezes observado (sobretudo nos meios rurais) em detrimento do Direito de fonte oficial[84]. A efectividade do Direito formal é, por isso, muito menor nesses sistemas jurídicos.

Não menos relevante é o surgimento nestes países de codificações autóctones, que procuram atender a necessidades particulares da vida jurídica local. Algumas dessas codificações (como o Código da Família de Angola e a Lei da Família de Moçambique) são, aliás, manifestações da resistência que as matérias integradas no estatuto pessoal das pessoas singulares sempre opuseram à recepção de Direitos estrangeiros.

A tudo isto acresce a circunstância de estes países se encontrarem em estádios muito diferentes de desenvolvimento económico e de institucionalização da democracia e do Estado de Direito; e de certas concepções políticas europeias – como as que se prendem com o papel reservado ao Chefe de Estado – se mostrarem inadequadas à cultura e à tradição africanas.

 

            15. Caracterização dos sistemas jurídicos lusófonos. – A esta luz, que conclusão pode formular-se acerca do lugar dos sistemas jurídicos lusófonos entre as famílias jurídicas?

Quanto ao Direito português, é a nosso ver inequívoco que ele se integra na família romano-germânica. Desde logo, pela sua matriz histórica: o Direito Romano vigorou em Portugal como Direito subsidiário até ao séc. XIX (posto que a partir da Lei da Boa Razão, de 1769, apenas na medida em que se mostrasse conforme com a recta ratio); e influenciou decisivamente o Direito Privado português. Depois, pelo seu sistema de fontes, em que avulta a lei. Finalmente, pelo método segundo o qual nele são predominantemente resolvidos os casos concretos, isto é, a partir de regras gerais e abstractas, e não de precedentes.

Pode, no entanto, perguntar-se a qual dos ramos em que se divide essa família pertence o Direito português. Para alguns autores, seria ao que designam por domínio, família, grupo ou círculo romanístico (romanischer Gebiet, famille de droits romanistes, romanische Gruppe, romanischer Rechtskreis)[85].

Há muito, porém, que a Ciência Jurídica portuguesa assimilou os quadros mentais do pandectismo germânico[86]. E desde a entrada em vigor do Código Civil de 1966 o Direito Privado português está muito mais próximo do alemão do que do francês[87]. Neste sentido depõem, nomeadamente: a adopção nesse Código da sistematização germânica do Direito Civil; a inclusão na Parte Geral dele de uma regulamentação minuciosa do negócio jurídico e da declaração negocial[88], claramente tributária da dogmática germânica e da concepção abstracta do Direito que a inspira[89]; o regime da formação dos contratos, nomeadamente no que respeita à perfeição da declaração negocial[90] e à revogabilidade da proposta[91], o qual provém do Direito alemão[92]; o regime da culpa in contrahendo[93], que, embora recebido do Código Civil italiano, se filia na doutrina alemã da relação obrigacional sem deveres primários de prestação constituída com a entrada em negociações[94]; o regime da interpretação e da integração dos negócios jurídicos, assente no binómio declarante-declaratário[95]; as múltiplas referências feitas no Código à boa fé[96], tributárias do labor da doutrina e da jurisprudência alemãs ao longo do séc. XX e da concepção social do Direito que as inspirou[97]; a distinção entre a representação e o mandato[98], que o Direito francês desconhece; o regime da modificação ou resolução do contrato por alteração de circunstâncias[99], igualmente sem paralelo no Código francês; a regulação entre as fontes das obrigações da gestão de negócios e do enriquecimento sem causa[100], a respeito do qual o Código Civil francês não contém qualquer disposição genérica[101]; e a regra geral sobre a responsabilidade civil extracontratual[102], que procura delimitar as factispécies geradoras do dever de indemnizar, definindo como tais apenas as violações de direitos absolutos e de disposições legais de protecção de interesses alheios, o que importa a rejeição de uma cláusula geral de estilo francês.

O Código Civil português apresenta, é certo, alguns traços de originalidade relativamente ao alemão, entre os quais sobressaem a inclusão do Direito Internacional Privado na Parte Geral, bem como a regulação nela dos direitos de personalidade e das provas. Mas isso não prejudica a sua filiação na técnica e na cultura jurídica germânicas – aliás, bem evidente nas regras gerais de Direito Internacional Privado, com destaque para a que respeita à qualificação[103], a qual exprime toda uma concepção acerca da coordenação entre sistemas jurídicos nacionais, que tem na sua génese o pensamento de Wilhelm Wengler e Leo Raape[104].

De resto, essa filiação não resulta apenas do Código Civil, antes se revela também em outros diplomas legais posteriores a ele, que adoptaram a técnica legislativa e conceitos jurídicos de matriz germânica: é o caso, por exemplo, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais[105] e do Código das Sociedades Comerciais[106].

No Direito Público, é muito mais mitigada a influência alemã. A Constituição portuguesa, por exemplo, recebeu essencialmente o modelo francês[107]. Não obstante isso, ela aproxima-se em alguns aspectos do sistema germânico. É o que sucede, v.g., no regime da eficácia em relação a terceiros («Drittwirkung») dos direitos liberdades e garantias[108] e da fiscalização da constitucionalidade[109].

Se atentarmos agora nas tendências dominantes do pensamento jurídico, é também inegável a influência alemã, v.g., no acolhimento dado em Portugal à jurisprudência dos valores e ao pensamento sistemático[110].

O Direito Privado português insere-se hoje, por isso, no ramo alemão da família romano-germânica.

Não falta, é certo, quem veja no Direito português um sistema jurídico híbrido, situado entre o alemão e o francês. Tal a conclusão fundamental de uma recente monografia de Jens Müller[111]. Esta baseia-se, contudo, exclusivamente na análise do regime de duas matérias: por um lado, os negócios celebrados por menores, que o autor considera mais próximo do modelo francês, na medida em que a incapacidade dos menores é feita valer em Portugal numa acção judicial tendente à anulação dos negócios por si celebrados, o que confere a estes uma eficácia mais forte do que a que possuem na Alemanha, e também porque não existe na Alemanha a figura da emancipação; e, por outro lado, a formação do contrato, em que o autor considera dominante a influência do BGB, mormente no tocante à eficácia da declaração negocial e à revogabilidade da proposta.

Supomos que não é possível extrair do regime destas matérias uma conclusão genérica sobre a inserção do Direito português entre as famílias jurídicas. Acresce que as soluções consignadas na lei portuguesa para os negócios celebrados por menores se explicam, a nosso ver, pelo facto de, em regra, nos países latinos os jovens atingirem a maturidade física mais cedo do que nos países nórdicos e também porque nos meios rurais a economia depende muito mais acentuadamente do seu trabalho do que no Norte da Europa. Não terá sido, nesta medida, a adesão ao modelo francês que motivou a regulação portuguesa dessa matéria.

Não negamos, evidentemente, que existam na família romano-germânica sistemas híbridos, como o italiano, que combinam os modelos francês e alemão com elementos originais[112]. Mas é notório que nesses sistemas a influência germânica é muito mais ténue do que no Direito português.

De todo o modo, também os Direitos francês e alemão podem, em certo sentido, considerar-se híbridos, dada a importância que os costumes germânicos tiveram na formação do moderno Direito francês e atenta a relevância que a recepção do Direito Romano assumiu na conformação do sistema jurídico alemão. O que nos revela que, em rigor, não há sistemas jurídicos «puros»: todos são em alguma medida tributários de influências externas.

E quanto aos demais sistemas lusófonos?

As manifestações da cultura jurídica portuguesa no Brasil, nos países africanos de língua oficial portuguesa e em Timor-Leste, de que demos conta acima, revelam, a nosso ver, a adesão dos respectivos sistemas jurídicos não apenas à técnica jurídica, mas também a muitos dos valores que inspiram o Direito português.

Em virtude da comunhão assim forjada entre estes sistemas jurídicos[113], e também graças à cooperação nos domínios da produção legislativa, do ensino universitário do Direito e da formação dos magistrados, é hoje manifesta a facilidade de comunicação entre os juristas oriundos dos países e territórios mencionados; em muitos casos, verifica-se até que um jurista formado num daqueles sistemas jurídicos se encontra apto, sem grande esforço, a exercer a sua profissão nos demais.

Mas bastará isso para admitirmos a autonomização de uma família jurídica lusófona?

À luz do critério atrás enunciado, a resposta a este quesito deve, quanto a nós, ser negativa. Os Direitos vigentes nos países lusófonos, ainda que possuam características particulares comuns a todos eles, não reflectem um conceito próprio do Direito – o que constitui, de acordo com aquele critério, um requisito imprescindível a fim de se poder autonomizar uma família jurídica[114].

Nesta medida, os sistemas lusófonos não podem ser colocados no mesmo plano que a família jurídica romano-germânica, antes se integram nela[115].

Mas isso não quer dizer – cumpre sublinhá-lo – que não se possa falar, a respeito dos países e territórios de língua portuguesa, de uma comunidade jurídica, entendida como uma realidade simultaneamente mais restrita e mais profunda do que uma família jurídica. Mais restrita, porque se trata aqui de uma comunhão de institutos, valores e soluções para determinados problemas, que não corresponde a um particular conceito de Direito, distinto do que informa os demais sistemas jurídicos. Mais profunda, porque ela reflecte laços históricos, culturais, sociais e afectivos mais intensos do que aqueles que muitas vezes existem entre os membros das famílias jurídicas[116].

 


 

* Palestra proferida em Díli, em 8 de Setembro de 2009, na abertura do ano lectivo na Universidade Nacional de Timor-Leste. Originariamente publicado nos Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque, Coimbra, 2010, pp. 401-429.

[1] Sobre o tema, vide Andreas Schwartz, «La réception et l’assimilation des droits étrangers», in AAVV, Introduction à l’étude du droit comparé. Recueil d’Études en l’honneur d’Édouard Lambert, vol. I, Paris, 1938, pp. 581 ss.; Imre Zajtay, «La réception des droits étrangers et le droit comparé», Revue Internationale de Droit Comparé, 1957, pp. 686 ss.; Franz Wieacker, História do Direito Privado Moderno, trad. port., Lisboa, 1980, pp. 129 ss.; Manfred Rehbinder, «Die Rezeption fremden Rechts in Soziologischer Sicht», Rechtstheorie, 1983, pp. 305 ss.; António Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1985, pp. 25 ss.; idem,  Tratado de Direito Civil português, tomo I, 3.ª ed., Coimbra, 2005, p. 61; Eric Agostini, Droit comparé, Paris, 1988, pp. 245 ss.; Alan Watson, Legal Transplants. An Approach to Comparative Law, 2.ª ed., Atenas/Londres, 1993; idem, Comparative Law: Law, Reality and Society, s.l., 2007, pp. 5 ss ; e Michele Graziadei, «Comparative Law as the Study of Transplants and Receptions», in Mathias Reimann/Reinhard Zimmermann (orgs.), The Oxford Handbook of Comparative Law, Oxford, 2006, pp. 441 ss.

[2] Cfr. Ruy de Albuquerque/Martim de Albuquerque, História do Direito Português, I volume, nova versão, 9.ª ed., Lisboa, 1998, pp. 321 ss., com mais referências.

[3] Como lhe chamou Paul Koschaker, Europa und das Römische Recht, 4.ª ed., Munique/Berlim, 1966, p. 135.

[4] Ver, sobre o tema, Wolfgang Wiegand, «The Reception of American Law in Europe», American Journal of Comparative Law, 1991, pp. 229 ss.; e os estudos coligidos em Archives de Philosophie du Droit de 2001, sob o título L'américanisation du droit.

[5] Neste sentido, Guilherme Braga da Cruz, «Formação histórica do moderno direito privado português e brasileiro», in Obras esparsas, vol. II, Estudos de História do Direito e Direito moderno, Coimbra, 1981, pp. 25 ss. (pp. 66 s.).

                [6] Cfr. A. Santos Justo, «O Direito luso-brasileiro: codificação civil», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2003, pp. 1 ss.; Francisco Amaral, «A parte geral do novo Código Civil brasileiro. Influência do Código Civil português», in Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (org.), Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. II, A parte geral do Código e a teoria geral do Direito Civil, Coimbra, 2006, pp. 43 ss.; e Judith Martins-Costa, «A contribuição do Código Civil Português ao Código Civil Brasileiro e o abuso de direito. Um caso exemplar de transversalidade cultural», Themis, 2008, pp. 107 ss. Voltaremos a este ponto adiante, no n.º 13.

[7] Essas disposições encontram-se reproduzidas e comentadas in Instituto de Cooperação Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (org.), O Direito da Família e das Sucessões no Código Civil português de 1867: uma perspectiva do século XXI – Family and Succession Law in the Portuguese Civil Code of 1867: a XXIst Century Approach, Lisboa, 2008. Ver ainda Manohar Sinai Usgãocar, Family Laws of Goa, Daman and Diu, 2 vols., Goa, 1979/1988; idem, «Civil Code as a Source of Civil Rights», Goa Law Times, 2001, vol. 1, pp. 1 ss.; Carmo D’Souza, Legal System in Goa, vol. I, Judicial Institutions (1510-1982); vol. II, Laws and Legal Trends (1510-1969), Pangim, 1994/1995; idem, «Evolução do Direito português em Goa», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1999, pp. 275 ss.; idem, «Civil Law Studies: An Indian Perspective», in Anthony d’Souza/Carmo d’Souza (orgs.), Civil Law Studies: An Indian Perspective, Newcastle upon Tyne, 2009, pp. 2 ss.; Libia Lobo Sardesai (org.), Glimpses of Family Law of Goa, Daman and Diu, Margão, s.d.; e F. E. Noronha, Understanding the Common Civil Code. An Introduction to Civil Law, Nagpur, 2008, especialmente pp. 95 ss. e 111 ss.

[8] Cfr., relativamente à Guiné-Bissau, o art. 1.º da Lei n.º 1/73, de 27 de Setembro de 1973; quanto a São Tomé e Príncipe, o art. 158.º da Constituição de 1990; no tocante a Angola, o art. 165.º da Lei Constitucional de 1992; quanto a Cabo Verde, o art. 288.º da Constituição de 1992; e a respeito de Moçambique, o art. 305.º da Constituição de 2004.

[9] Veja-se o levantamento feito por Helena Leitão, «O Código Civil português de 1966 nos PALOP e as tendências de reforma», Themis, 2008, pp. 129 ss.

                [10] Reproduzida em Emílio Kafft Kosta/Ricardo Borges, Legislação Económica da Guiné-Bissau, Coimbra, 2005; e em Faculdade de Direito de Bissau/Centro de Estudos e Apoio às Reformas Legislativas (orgs.), Guiné-Bissau. Código Civil (com anotações) e legislação complementar, 2.ª ed., Lisboa, 2007.

                [11] Cujo texto pode ser confrontado em Carlos Feijó, O novo Direito da Economia de Angola. Trabalhos preparatórios. Legislação básica, Coimbra, 2005.

                [12] Vejam-se, além deste diploma legal, os textos legislativos recolhidos em Sérgio Vasques, Legislação económica de Moçambique, Coimbra, 2004; Sílvia Alves/Luís Barbosa Rodrigues/Boaventura Gune, Código Civil e Legislação Complementar de Moçambique, Coimbra, 2006; Sílvia Alves/Luís Barbosa Rodrigues, Código Comercial e legislação Complementar de Moçambique, Coimbra, 2006.

                [13] Vide o art. 8 desse diploma legal, segundo o qual: «As leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau».

[14] Cfr. o anexo I a essa Declaração, nos termos do qual: «após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau não serão nela aplicados o sistema e as políticas socialistas, mantendo-se inalterados os actuais sistemas social e económico, bem como a respectiva maneira de viver, durante cinquenta anos».

                [15] Cfr. Teresa Vieira da Silva/Carlos Dias (coords.), Direito e Justiça em Macau, Macau, 1999; Luís Miguel Urbano, «Breve nota justificativa», in Código Civil. Versão portuguesa, Macau, 1999, pp. VII ss.; Alexandre Dias Pereira, Business Law: A Code Study. The Commercial Code of Macau, Coimbra, 2004; Rute Saraiva, «Ventos de Este, Ventos de Oeste. A "questão de Macau" nas relações internacionais», in Estudos em honra de Ruy de Albuquerque, vol. II, Lisboa, 2006, pp. 707 ss.; e José de Oliveira Ascensão, A legislação de Macau no termo da administração portuguesa, disponível em http://www.fd.ul.pt/ICJ.

                [16] Ver Paulo Otero, «A lei aplicável às relações jurídico-privadas envolvendo timorenses e constituídas em Timor-Leste entre 1975 e 199», in Jorge Miranda (org.), Timor e o Direito, Lisboa, 2000, pp. 37 ss.; António Marques dos Santos, «O sistema jurídico de Timor-Leste – Evolução e perspectivas», in Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Público, Coimbra, 2004, pp. 595 ss.; e Florbela Pires, «Fontes do direito e procedimento legislativo na República Democrática de Timor‑Leste – alguns problemas», in Estudos em memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, vol. II, Coimbra, 2005, pp. 101 ss.

[17] Sobre esta matéria pode ver-se, para mais desenvolvimentos, o nosso Direito Comparado, vol. I, Coimbra, 2008, pp. 519 ss., e a bibliografia aí citada.

[18] Desenvolvemos este tema em «Perspectivas da harmonização e unificação internacional do Direito Privado numa época de globalização da economia», in AAVV, Estudos em honra do Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, Coimbra, 2008, vol. II, pp. 1653 ss., onde podem colher-se outras indicações bibliográficas.

[19] Neste sentido, por exemplo, Franz Wieacker, História do Direito Privado moderno, cit., p. 584; Fernando Pinto Bronze, « Continentalização do Direito inglês ou insularização do Direito continental ?», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1975, suplemento XXII; James Gordley, «Common Law und Civil Law: eine überholte Unterscheidung», Zeitschrift für Europäisches Privatrecht, 1993, pp. 491 ss.; Reinhard Zimmermann/Daniel Visser, «Introduction. South African Law as a Mixed Legal System», in eiusdem (orgs.), Southern Cross. Civil Law and Common Law in South Africa, reimpressão, Oxford, 2005, p. 2; e Basil Markesinis, «Learning from Europe and Learning in Europe», in eiusdem, The Gradual Convergence: Foreign Ideas, Foreign Influences, and English Law on the Eve of the 21st Century, reimpressão, Oxford, 2001, pp. 1 ss. (p. 30).

  [20] Nesta linha fundamental de orientação, vide, por exemplo, René David, «The International Unification of Private Law», in International Encyclopedia of Comparative Law, vol. II, cap. 5.

                [21] Ver, sobre esse princípio, José Hermano Saraiva, Lições de Introdução ao Direito, Lisboa, 1962/63, p. 409.

[22] Cfr. a Encíclica Caritas in Veritate, de 29 de Junho de 2009, n.º 26.

[23] Tal a tese que sustentámos já no nosso Direito Comparado, cit., pp. 593 s. Na mesma linha fundamental de orientação, vejam-se as obras de Werner Menski, Comparative Law in a Global Context, 2,ª ed., Cambridge, 2006, pp. 3 ss.; H. Patrick Glenn, Legal Traditions of the World. Sustainable Diversity in Law, 3.ª ed., Oxford, 2007, especialmente pp. 344 ss.; e Mireille Delmas-Marty, Critique de l’intégration normative, Paris, 2004, e Les forces imaginantes du droit, vol. II, Le pluralisme ordonné, Paris, 2006.

[24] Veja-se sobre o tema na doutrina portuguesa, desenvolvidamente, Armindo Ribeiro Mendes, «A existência de famílias de ordenamentos jurídicos e as críticas recentes às classificações tradicionais», in Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, Lisboa, 2006, vol. I, pp. 317 ss.

[25] Cfr. «Betrachtungen zur Reform des portugiesischen Ehegüterrechts», in Festschrift für Imre Zajtay, Tubinga, 1982, pp. 262 ss.

[26] Cfr. Zulässigkeit und Bindungswirkung gemeinschaftlicher Testamente im Internationalen Privatrecht, Tubinga, 2008, pp. 16 ss.

[27] Sobre o tema, pode consultar-se, para maior aprofundamento, o nosso Direito Comparado, vol. I, cit., pp. 95 ss. e 239 ss., com outras referências.

                [28] Cfr. D. 1, 1, 1, 2: «Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem».

[29] Cfr. D., 1, 5, 1: «Omne ius quo utimur vel ad personas pertinet vel ad res vel ad actiones». Esta sistematização foi adoptada, nomeadamente, no Código Civil francês, cuja sistematização assenta nela, e na parte geral dos Códigos Civis alemão e português, que igualmente se baseia nela.

[30] Cfr. D., 44, 7, 3, pr.: «Obligationum substantia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostram faciat, sed ut alium nobis obstringat ad dandum aliquid vel faciendum vel praestandum». Sobre esta matéria, consultem-se Reinhard Zimmermann, The Law of Obligations. Roman Foundations of the Civilian Tradition, Oxford, 1996, e, entre nós, Eduardo Vera-Cruz Pinto, O direito das obrigações em Roma, Lisboa, 1997, e A. Santos Justo, Direito Privado Romano – II (Direito das Obrigações), Coimbra, 2003.

                [31] Cfr. I., 3, 13: «Nunc transeamus ad obligationes […]. 2. Sequens divisio in quattuor species dedicitur: aut enim ex contractu sunt aut quasi ex contractu aut ex maleficio aut quasi ex maleficio […]». Foi, como se sabe, esta classificação das obrigações que Pothier acolheu no seu Tratado das Obrigações, acrescentando-lhe todavia a referência à lei e à equidade como suas causas possíveis: cfr. Traité des obligations selon les regles tant du for de la conscience que du for extérieur, Nouvelle édition, tomo I, Paris/Orleães, 1777, p. 4 : «Les causes des obligations sont les contrats, les quasi-contrats, les délits, les quasi-délits, quelquefois la loi ou l’équité seule». Posteriormente, o Código Civil francês consagrou-a no art. 1370, segundo o qual: «Certains engagements se forment sans qu’il intervienne aucune convention, ni de la part de celui qui s’oblige, ni de la part de celui envers lequel il est obligé. Les uns résultent de l’autorité seule de la loi; les autres d’un fait personnel à celui qui se trouve obligé. Les premiers sont les engagements formés involontairement, tels que ceux entre propriétaires voisins, ou ceux des tuteurs et des autres administrateurs qui ne peuvent refuser la fonction qui leur est déférée. Les engagements qui naissent d’un fait personnel à celui qui se trouve obligé, résultent ou des quasi-contrats, ou des délits ou quasi-délits; ils font la matière du présent titre».

[32] Ver, sobre o ponto, Mário Júlio de Almeida Costa, História do Direito português, 3.ª ed., Coimbra, 1996, pp. 263 ss.; e Marcello Caetano, História do Direito português (sécs. XII-XVI), 4.ª ed., Lisboa/São Paulo, 2000, pp. 547 ss.

[33] Cfr. William Blackstone, Commentaries on the Laws of England, vol. I, 15.ª ed., Oxford, 1809 (com anotações e aditamentos por Edward Christian), p. 5: «we must not prefer the edict of the praetor, or the rescript of the Roman emperor, to our own immemorial customs, or the sanctions of an English parliament; unless we can also prefer the despotic monarchy of Rome and Byzantium, for whose meridians the former were calculated, to the free constitution of Britain, which the latter are adapted to perpetuate».

[34] Cfr., nesta linha fundamental de orientação, Antunes Varela, «Os juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na acção e o recurso de revista», Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 1995, t. IV, pp. 5 ss.

                [35] Cfr. The Common Law, 1881 (reimpressão, Boston/Nova Iorque/Toronto/Londres, 1963), p. 5.

[36] Ver sobre o tema, numa perspectiva de comparação de Direitos, o nosso «O direito subjectivo além-fronteiras. Nota comparativa», em curso de publicação nos Estudos em homenagem ao Professor Doutor Paulo Cunha.

[37] Cfr. System des heutigen Römischen Rechts, vol. I, Berlim, 1840, p. 7.

                [38] Cfr. Der Kampf um’s Recht, Viena, 1872 (existe tradução portuguesa, por Fernando Luso Soares Filho, com o título A luta pelo Direito, Lisboa, 1992).

[39] É interessante notar que este sistema apresentava certas semelhanças com o processo civil romano, que também consagrava uma tipicidade de acções; mas não parece que isso decorra de qualquer influência directamente exercida pelo Direito Romano sobre o Direito inglês. Neste sentido, veja-se, por todos, Peter Stein, Roman Law in European History, Cambridge, 2004, p. 63.

[40] Cfr. Geoffrey Samuel, «Common Law», in Jan Smits (org.), Elgar Encyclopedia of Comparative Law, Cheltenham/Northampton, 2006, p. 155.

[41] Pode ver-se uma ilustração deste modo de pensar na decisão proferida pela Câmara dos Lordes em 2003 no caso Wainwright and another (Appellants) v. Home Office (Respondents) [2003] UKHL 53. Tratava-se aí de uma acção de indemnização pela violação da privacidade de duas pessoas, que invocavam em abono da sua pretensão o direito à privacidade reconhecido pelo art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A Câmara dos Lordes rejeitou essa pretensão, não porque negasse o direito à privacidade, mas tão-somente porque não existia no Common Law inglês um tort de invasion of privacy que pudesse, na espécie, funcionar como «cause of action». A consagração de semelhante tort daria lugar, segundo o tribunal, a um inaceitável grau de incerteza. O que, evidentemente, limitaria de modo excessivo a liberdade individual de acção. Por conseguinte, quando confrontado com uma pretensão de indemnização, o tribunal não procurou determinar a existência de um direito subjectivo em cuja violação essa pretensão se fundasse, mas sim de um remédio jurídico específico; não existindo este no Common Law, o direito subjectivo em causa não pôde ser reconhecido. Como é bom de ver, a esta orientação restritiva em matéria de responsabilidade civil não é alheio um elemento ideológico: subjaz-lhe, além do mais, a preocupação com a salvaguarda da liberdade de actuação de cada um.

[42] No sentido do texto, afirma-se numa decisão do Court of Chancery: «In the pragmatic way in which the English law has developed, a man’s legal rights are in fact those that are protected by a cause of action. It is not in accordance, as I understand it, with the principles of English law to analyse rights as being something separate from the remedy given to the individual […]. In the ordinary case to establish a legal or equitable right you have to show that all the necessary elements of the cause of action are either present or threatened»: cfr. Kingdom of Spain v. Christie, Manson & Woods Ltd. [1986] 1 Weekly Law Reports 1120, 1129.

                [43] Cfr. De l'esprit des lois, Genebra, 1748, livro XI, onde o autor sustenta a necessidade da separação dos poderes legislativo, executivo e judicial como condição de liberdade.

                [44] Sobre o tema, vejam-se, numa perspectiva de comparação de Direitos, Luc Heuschling, État de droit, Rechtsstaat, Rule of Law, Paris, 2002; e Emílio Kafft Kosta, Estado de Direito, O paradigma zero: entre lipoaspiração e dispensabilidade, Coimbra, 2007, pp. 77 ss. Podem ainda consultar-se a este respeito Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, t. I, 6.ª ed., Lisboa, 1970, pp. 320 ss.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. IV, 2.ª ed., Coimbra, 1998, pp. 177 ss.; e José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, 2006, pp. 243 ss., todos com mais referências.

                [45] Veja-se, confrontando a situação em Inglaterra e nos Estados Unidos com a do continente europeu, Friedrich Hayek, The Constitution of Liberty, reimpressão, Londres, 1990, pp. 193 ss.

                [46] Cfr. Introduction to the Study of the Law of the Constitution, 8.ª ed., reimpressão, Indianapolis, 1982 (originariamente publicado em 1885), pp. 120 s.

[47] Cfr., por muitos, Richard Posner, Economic Analysis of Law, 5.ª ed., Nova Iorque, 1998, que escreve, na p. 27: «the common law is best (not perfectly) explained as a system for maximizing the wealth of society».

[48] É o que revela, por exemplo, a circunstância de em 1992 a Câmara dos Lordes ter rejeitado expressamente que as partes se encontrem sujeitas, nos preliminares e na conclusão dos contratos, a um dever de negociar de boa fé, como aquele que o Direito alemão e o Direito português consagram: cfr. Walford v. Miles, [1992] Weekly Law Reports 174. A despeito da integração europeia, o approach inglês em matéria de culpa in contrahendo permaneceu, por isso, radicalmente diverso daquele que prevalece na Europa continental, o qual assenta, em última análise, numa ideia de solidariedade nas relações interindividuais. Sobre esta matéria, consulte-se, para mais desenvolvimentos, o nosso Da responsabilidade pré-contratual em Direito Internacional Privado, Coimbra, 2001, pp. 274 ss., e a demais bibliografia aí citada.

[49] Ver, sobre o ponto, o estudo de Duncan Fairgrieve/Horatia Muir Watt, Common Law et tradition civiliste: convergence ou concurrence?, Paris, 2006.

[50] Está neste caso, por exemplo, o Indian Contract Act 1872. Ver, para um confronto deste com o regime do Código Civil português, Luís Menezes Leitão, «The Formation of Contracts: A Comparison between the Indian Contract Act of 1872 and the Portuguese Civil Code of 1966», in Anthony d’Souza/Carmo d’Souza (orgs.), Civil Law Studies: An Indian Perspective, Newcastle upon Tyne, 2009, pp. 171 ss.

                [51] Veja-se, por exemplo, o The Goa Succession, Special Notaries and Inventory Proceeding Bill, 2008, que em larga medida conserva, na regulação das matérias que tem por objecto, o regime do Código de 1867.

[52] Cfr. Ana Lúcia de Lyra Tavares, «Identidade do sistema jurídico brasileiro, recepções de direito e função do direito comparado», Revista Brasileira de Direito Comparado, 2009, pp. 59 ss. (p. 70).

[53] Neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo I, Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais, 8.ª ed., Coimbra, 2009, p. 206.

[54] Cfr. o Decreto n.º 848, de 11 de Outubro de 1890, que organizou a justiça federal brasileira, o qual estabeleceu no art. 386: «Constituirão legislação subsidiaria em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e commercial, não sendo contrarias ás disposições e espírito do presente decreto. Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações jurídicas na República dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de common law e equity, serão também subsidiários da jurisprudência e processo federal».

[55] Também este ponto se prestaria a grandes desenvolvimentos. Não podemos, todavia, apresentar neste estudo senão uma síntese das nossas ideias acerca do tema. Cfr., para um aprofundamento desta matéria, o nosso Direito Comparado, cit., vol. I, pp. 95 ss., e a restante bibliografia aí citada.

                [56] Cfr., sobre o tema, Jean-Philippe Lévy, «La révolution française et le droit civil», in AAVV, 1804-2004. Le Code Civil, un passé, un présent, un avenir, Paris, 2004, pp. 87 ss.

[57] Veja-se sobre o ponto Jean Carbonnier, Droit Civil, tomo 4, Les Obligations, 21ª ed., Paris, 1998, pp. 269 ss.

                [58] Cfr. Lehrbuch des Pandektenrechts, cuja 1.ª ed. foi publicada entre 1862 e 1870; existe reimpressão da 9.ª edição (publicada em Frankfurt, 1906, sob a responsabilidade de Theodor Kipp), Aalen, 1984.

[59] Cfr., sobre esta matéria, Claus-Wilhelm Canaris, «Funções da Parte Geral de um Código Civil e limites da sua prestabilidade», in Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (org.), Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. II, A parte geral do Código e a teoria geral do Direito Civil, Coimbra, 2006, pp. 23 ss.

[60] Ver Folke Schmidt, «The German Abstract Approach to Law. Comments on the System of the Bürgerliches Gesetzbuch», Scandinavian Studies in Law, 1965, pp. 131 ss.

[61] Ver, por muitos, Werner Flume, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, vol. II, Das Rechtsgeschäft, 4.ª ed., Berlim, etc., 1992, pp. 23 ss. ; e Karl Larenz/Manfred Wolf, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 9.ª ed, Munique, 2004, pp. 393 ss.

[62] Concepção que remonta a Savigny: cfr. System des heutigen Römischen Rechts, vol. III, Berlim, 1840, pp. 309 s.: «Es fragt sich nämlich, ob Rechtsverhältnisse aller Art, oder etwa nur eine einzelne Art derselben, Gegenstand des Vertrages seyn können. Von dieser Seite nun müssen wir für den angegebenen Begriff die ausgedehnteste Anwendbarkeit in Anspruch nehmen. Es sind also Verträge möglich im Völkerrecht, im Staatsrecht, im Privatrecht: in diesem ferner bey allen Arten der ihm angehörenden Rechtsinstitute».

[63] Tomemos como exemplo as regras aplicáveis a um litígio emergente de uma compra e venda. Estas podem ser achadas, no Código alemão, entre as disposições sobre a declaração de vontade constantes da Parte Geral (§§ 116 e seguintes); mas também se encontrarão nas disposições sobre as obrigações em geral (§§ 241 e seguintes), nas regras gerais sobre os contratos (§§ 311 e seguintes) e nas disposições sobre a compra e venda propriamente dita (§§ 433 e seguintes).

                [64] Cfr. Franz Wieacker, História do Direito Privado Moderno, cit., p. 559. Ver também, nesta linha fundamental de orientação, (p. 156); Zweigert/Kötz, Einführung in die Rechtsvergleichung, 3.ª ed., Tubinga, 1996, pp. 143 ss.; e Reinhard Zimmermann, «Characteristic Aspects of German Legal Culture», in Mathias Reimann/Joachim Zekoll (orgs.), Introduction to German Law, Munique, 2005, pp. 1 ss. (p. 11).

[65] Ver, entre outros, Franz Wieacker, Zur rechtstheoretische Präzisierung des § 242 BGB, Tubinga, 1956; e Jürgen Schmidt, anotação ao § 242 do BGB, no Staudingers Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 12.ª ed., Berlim, 1995.

[66] Esta doutrina foi introduzida no BGB pela Lei de Modernização do Direito das Obrigações, de 2001: veja-se o § 311 (2).

[67] Também esta figura, cuja elaboração se deve originariamente a Paul Oertmann (cfr. Die Geschäftsgrundlage. Ein neuer Rechtsbegriff, Leipzig/Erlangen, 1921), foi acolhida no Código alemão pela referida lei de 2001 (cfr. o § 313).

[68] A expressão é de Karl Larenz/Claus Canaris, Lehrbuch des Schuldrechts, vol. II/2, 13.ª ed., Munique, 1994, pp. 354 s.

[69] Neste sentido vide, por todos, Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, vol. I, Allgemeiner Teil, 14.ª ed., Munique, 1987, pp. 122 e 369.

                [70] Arts. 11 e seguintes.

                [71] Arts. 104 e seguintes.

                [72] Arts. 115 e seguintes.

                [73] Arts. 113 e 422, respectivamente.

                [74] Art. 187.

                [75] Art. 884.

[76] Cfr. Comissão do Código do Consumidor, Código do Consumidor. Anteprojecto, Lisboa, 2006.

[77] Vejam-se, sobre o ponto, José de Oliveira Ascensão, «O Anteprojecto do Código do Consumidor e a publicidade», in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. III, Coimbra, 2006, pp. 7 ss.; e António Pinto Monteiro, «Sobre o Direito do Consumidor em Portugal e o Anteprojecto do Código do Consumidor», in ibidem, pp. 37 ss.

[78] Cfr. Jorge Bacelar Gouveia, As Constituições do Estados de Língua Portuguesa, 2.ª ed., Coimbra, 2006, p. 19.

[79] Ver Carlos Blanco de Morais, «Tópicos sobre a formação de uma comunidade constitucional lusófona», in Antunes Varela/Diogo Freitas do Amaral/Jorge Miranda/J.J. Gomes Canotilho (orgs.), Ab uno ad omnes. 75 anos da Coimbra Editora 1920-1995, Coimbra, 1998, pp. 55 ss. (pp. 61 s.); Carlos Feijó, «O Semi-Presidencialismo em África e, em especial, nos PALOP», Revista da Faculdade de Direito Universidade Agostinho Neto, n.º 2 (2002), pp. 27 ss.; e Jorge Bacelar Gouveia, «Sistemas constitucionais africanos de língua portuguesa: a caminho de um paradigma», Themis, 2006, pp. 119 ss. (pp. 139 s.).

[80] Cfr. José de Melo Alexandrino, Os sistema português e o sistema cabo-verdiano de actos legislativos, disponível em http://www.fd.ul.pt/ICJ.

[81] Neste sentido, Luís Roberto Barroso, «Influência da reconstitucionalização de Portugal sobre a experiência constitucional brasileira», Themis, 2006, pp. 71 ss. (pp. 76 ss.); e Jorge Miranda, Manual, cit., p. 203.

[82] Ver M. Januário da Costa Gomes/Rui Ataíde, OHADA. Tratado, regulamento e actos uniformes, Coimbra, 2008. Acerca do Direito da OHADA, vejam-se, em língua portuguesa, Tiago Soares da Fonseca, O Tratado da OHADA, Lisboa, 2002; e AAVV, A integração regional e a uniformização do Direito dos Negócios em África, no Boletim da Faculdade de Direito de Bissau, n.º 6 (Junho 2004) e suplemento (Dezembro 2004).

[83] Haja vista aos arts. 4.º da Constituição moçambicana, 2.º, n.º 4, da Constituição de Timor-Leste e 7.º da Constituição de Angola.

                [84] Sobre o tema, veja-se o nosso estudo «Unidade e diversidade nos actuais sistemas jurídicos africanos», in António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Leitão e Januário Costa Gomes (orgs.), Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles: 90 anos. Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa, Coimbra, 2007, pp. 317 ss. No sentido do texto, cfr. também Luís de Lima Pinheiro, in Erik Jayme (org.), 2. Deutsch-Lusitanische Rechtstage. Seminar in Heidelberg 20.-21.11.1992, Baden-Baden, 1994, p. 122.

                [85] Ver, respectivamente, Adolf Schnitzer, Vergleichende Rechtslehre, vol. I, Basileia, 1961, p. 207; Constantinesco, Traité de Droit Comparé, t. III, Paris, 1983, p. 84; Max Rheinstein, Einführung in die Rechtsvergleichung, 2.ª ed., Munique, 1987, p. 78; e Zweigert/Kötz, ob. cit., p. 68.

                [86] Ver António Menezes Cordeiro, Teoria geral do Direito Civil. Relatório, Lisboa, 1988, pp. 131 ss.; e Tratado de Direito Civil português, tomo I, cit., pp. 126 ss.

                [87] Cfr., a respeito da influência exercida pela doutrina e pela legislação germânicas sobre o anteprojecto de Código Civil português, Wilhelm Wengler, «Der Entwurf für ein neues portugiesisches Zivilgesetzbuch», Archiv für die civilistische Praxis, 1967, pp. 64 ss.

[88] Arts. 217.º ss.

[89] Sobre a recepção do negócio jurídico no Direito português, vide Paulo Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico, Coimbra, 1995, pp. 10 ss.

[90] Art. 224.º.

[91] Art. 230.º.

[92] § 130 (1) do BGB.

[93] Art. 227.º.

[94] Ver o nosso Da responsabilidade pré-contratual em Direito Internacional Privado, Coimbra, 2001, pp. 241 e ss., com mais referências.

[95] Arts. 236.º ss.

[96] Arts. 227.º, 239.º, 334.º, 437.º e 762.º, n.º 1, designadamente.

[97] Ver António Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, Coimbra, 1985, passim.

[98] Arts. 258.º ss. e 1157.º ss.

[99] Art. 437.º.

[100] Arts. 464.º ss. e 473.º ss., respectivamente.

[101] Ver Luís Menezes Leitão, O enriquecimento sem causa no Direito Civil, reimpressão, Coimbra, 2005, pp. 285 ss.

[102] Art. 483.º.

[103] Art. 15.º.

[104] Sobre o ponto, que não pode ser aqui desenvolvido, veja-se o nosso Da responsabilidade pré-contratual em Direito Internacional Privado, cit., pp. 381 ss., e a demais bibliografia aí citada.

[105] Aprovado pelo D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro.

[106] Aprovado pelo D.L. n.º 262/86, de 2 de Setembro.

[107] Ver Jorge Miranda, Manual, cit., p. 167.

[108] Art. 18.º, n.º 1.

[109] Arts. 277.º e seguintes.

[110] Vejam-se, nomeadamente, o prefácio de João Baptista Machado a Karl Engish, Introdução ao pensamento jurídico, 5.ª ed., Lisboa, 1979, e a introdução de António Menezes Cordeiro à edição portuguesa de Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito, Lisboa, 1989.

[111] Der Allgemeine Teil im portugiesischen Zivilgesetzbuch. Entstehungsgeschichte und ausgewählte Einzelprobleme, Hamburgo, 2008, p. 277.

[112] Neste sentido, veja-se António Gambaro/Rodolfo Sacco, Sistemi Giuridici Comparati, 2.ª ed., Turim, 2004, pp. 387 ss.

                [113] Comunhão essa que é também salientada por José de Oliveira Ascensão, em «No encerramento das I Jornadas de Direito Civil Luso-Moçambicanas», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1994, pp. 221 s. (p. 222).     

                [114] À mesma conclusão chegam, pelo que respeita à existência de uma família constitucional lusófona, Carlos Blanco de Morais, «Tópicos sobre a formação de uma comunidade constitucional lusófona», cit.; Carlos Feijó, «O Semi-Presidencialismo em África e, em especial, nos PALOP», cit., pp. 62 s.; e Filipe Falcão Oliveira, Direito Público Guineense, Coimbra, 2005, p. 104.

[115] Ver, na mesma linha fundamental de orientação, Manuel Malheiros/Marliese Reinert-Schoerer, «Die Entkolonialisierung und die Verbreitung der portugiesischen Rechtskultur», in Erik Jayme (org.), 2. Deutsch-Lusitanische Rechtstage, Baden-Baden, 1994, pp. 99 ss., que caracterizam os Direitos dos países lusófonos como um «subsistema» da família romano-germânica (p. 108).

[116] Outras comunidades jurídicas serão, dentro dos sistemas de Common Law, a dos sistemas jurídicos vigentes nos países da Commonwealth of Nations, de matriz britânica; e, dentro da família romano-germânica, a do sistemas dos países da Comunidade de Estados Independentes, em que pontifica a Rússia.