POR MÁRCIO CHAER
Uma plêiade de juristas ilustres reuniu-se na quinta-feira
(16/12) para render suas homenagens ao futuro ministro da
Justiça, o emérito José Eduardo Martins Cardozo. Desembargadores
de São Paulo, como Marco Antonio Marques da Silva; e de Minas
Gerais (Edgar Pena Amorim Pereira), célebres criminalistas como
Alberto Zacharias Toron, Roberto Leal de Carvalho, Sérgio
Salomão Shecaira e Miguel Reale Júnior e civilistas como Ernesto
Tzirulnik, Fábio Ulhoa Coelho e Judith Martins Costa. Foi uma
celebração dos ex-alunos da PUC. (Na
foto, da esquerda para a direita: José Eduardo Martins Cardozo
com Marco Antôno Marques da Silva, Alberto Zacharias Toron e
Ernesto Tzirulnik)
Dito desta maneira e nesse tom, tudo parece muito formal e
solene. Na verdade, o que aconteceu foi uma bela farra, como
antigamente. O grupo que se reuniu no apartamento do advogado
Tzirulnik é de amigos de longa data. Amigos mesmo. Militaram
juntos no movimento estudantil. Sofreram e se divertiram juntos.
Quase o tempo todo do mesmo lado e sempre contra a ditadura.
No começo, era o Grupo Opinião, fundado, entre outros, pelo
depois deputado José Mentor. Dele participavam Wagner Balera,
Henrique Sampaio Pacheco e, entre outros, o futuro jornalista
Bruno Blecher. Quando José Eduardo Martins Cardozo era
presidente do Centro Acadêmico 22 Agosto, surgiu a dissidência
do Debate, cujas estrelas eram Cardozo, Tzirulnik, Toron, José
Renê, Eduzinho e Beth Akemi.
Eram os anos de chumbo. Toda atividade política fora
criminalizada. A expressão "direitos humanos" à época era uma
provocação. A escuridão tomava conta do país. Esses amigos,
quando na ofensiva, envolviam-se juntos em iniciativas contra o
"sistema"; quando na defensiva, apoiavam-se uns nos outros.
Na festa de quinta, fotos em branco e preto daqueles anos
circulavam de mão em mão. Magros, barbudos e cabeludos os hoje
respeitáveis senhores exalavam idealismo, fraternidade e
juventude.
Como no poemeto "Quadrilha", de Drummond, cada um seguiria seu
rumo, mas sem romper os laços daqueles anos. José Eduardo, o Zé,
presta concurso e passa para ser procurador do município. Em
primeiro lugar, pelo que lembram os colegas. Mesmo sendo do PT,
é convocado para chefiar a assessoria jurídica da Secretaria de
Negócios Jurídicos, então comandada por Cláudio Lembo. O
prefeito era o inefável Jânio Quadros. Mas Cardozo servia São
Paulo, claro.
Erundina vira prefeita e escolhe José Eduardo como secretário de
Governo. Tempos bicudos. As melhores ideias já apresentadas para
administrar uma megalópole foram obstadas pelo neófito PT de
então, associado ao fisiologismo da larga porção conservadora da
Câmara de Vereadores. O redator deste texto, então editor de
política do Jornal
da Tarde —
publicação dirigida pelos Mesquita do Estadão —
testemunhou algo inimaginável. O establishment anti-petista
trabalhando por Erundina e o partido da prefeita atrapalhando a
correligionária. Genoíno e Lula faziam de tudo para apoiar a
prefeita. Em vão. Mais tarde Erundina deixaria o PT.
(Acima: João Alves da Silva, o Jacaré; Henrique e Ernesto
Tzirulnik; Alberto Toron; Zé Eduardo; Fábio Ulhoa; e Roberto
Leal)
José Eduardo perdeu pontos no PT por investigar seriamente
patifarias atribuídas ao partido, como o caso Lubeca. Mas não
perdeu as cores. Torna-se vereador e no segundo mandato faz uma
gestão inatacável como presidente da Câmara Municipal. Eleito
com a segunda maior votação do estado, Zé Eduardo enfrenta a
sombra crepuscular do correligionário mais votado, José Dirceu —
hoje fora do governo. José Eduardo Martins Cardozo vai ser
ministro da Justiça, com o aplauso dos mais renitentes inimigos
do PT.
Na festa de quinta-feira (16/12), os antigos colegas não
cansavam de incensar seu passado. Um cara sereno. Tinha o
respeito da militância esquerdista mas também a admiração dos
adversários. Não por acaso. "Ele era, simplesmente, o melhor
aluno em tudo", lembra Alberto Zacharias Toron. Havia prêmios à
época. Cardozo faturaria na área de Processo Civil, Penal,
Administrativo... "Confesso que colei muito do José Eduardo",
ri-se Toron. Graduado, o futuro ministro da Justiça fez-se
professor da PUC. No curso de mestrado, entusiasmados
com Norberto Bobbio, em um tempo que o autor era quase
desconhecido por aqui. José Eduardo incita e seus colegas topam:
vão estudar italiano italiano na Casa de Dante.
Há alguma divergência sobre o ranking dos mestres que mais os
marcaram, mas todos lembram com fervor de Osvaldo Aranha
Bandeira de Mello; seu filho, Celso Antonio; Hermínio Alberto
Marques Porto; Pedro Cunha; e Ronaldo Porto Macedo. Fazem parte
desse Panteão, Tércio Sampaio Ferraz e Cláudio Ferraz Alvarenga.
Como aluno e como amigo, José Eduardo era uma unanimidade, dizem
em coro seus colegas. Tranquilo, bem resolvido, sério. "Nós
ainda vamos trabalhar para esse cara", dizia Ernesto Tzirulnik.
Nem foi por acaso que a reverência ao amigo reuniu antípodas
ideológicos como Miguel Reale Júnior, Denise Frossard e artistas
como José Domingos, Ulisses Souza, Toninho Ferraguti que, ao
final da festa, se refestelaram com uma aplaudida apresentação,
ao piano, do garoto prodígio, José Eduardo Martins Cardozo.
*Do elenco citado faltaram os nomes de Gilberto Bercovici,
professor titular de Direito Econômico da USP, Alessandro
Octaviani, professor doutor na mesma universidade, além
de Eduardo Fanganiello de Carvalho Fernandes, o Eduzinho
Prefeito; os ex-presidentes do Centro Acadêmico, Frederico Costa
Carvalho e Marco Aurélio Carvalho; José Renê Pires de Campos, o
Zé Renê; Marco Antônio Marques da Silva, o Itapê (hoje
desembargador do TJ-SP), Ana Amelia Mascarenhas Camargo; Walter
Lacerda; Edgard Pena Amorim Pereira, o Edgarzinho (hoje
desembargador do TJ-MG); Juca Novaes; Marcelo Camargo, o
“Marcelo Bandido”. E outros heróis juvenis que não sabemos onde
estão...
Foto de 1978, diante do Tuca, antes de um pindura no Paulino e
em seguida a homenagem feita a professores cassados, como
Florestan Fernandes, Paulo de Tarso Santos e Fernando Henrique
Cardoso. Entre outros, pode-se ver na imagem Ernesto
Tzirulnik, Zé Renê, Toron, Paulo de Tarso, Lessa, Miguel, Paulo,
Irrene, Chiquinho, Inês, Renato, Sampaio, Ana Maria, Graça,
Totonho (irmao do Mentor), Henrique Pacheco, Márcia, Andreas,
José Mentor, Marques, Agamenon, Wagner Balera, Nelsonho, Sérgio
Z, Rubnes e Bruno Blecher.
Fonte:
http://www.conjur.com.br/2010-dez-18/velhos-amigos-saudam-ministro-justica-lembram-passado