09/10/2013

BrasilADVOCACIA PRO BONO PRECISA DE REGRAS NACIONAIS

LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO,
é advogado criminalista, Mestre a Doutor em Direito Penal pela USP, Conselheiro Federal da OAB e foi Presidente da OAB/SP por três gestões

A advocacia é uma atividade que enobrece o profissional que a exerce, pois sua dimensão ultrapassa os limites da defesa dos interesses privados que patrocina e alcança, costumeiramente, um interesse público, um interesse da sociedade, que pode ser traduzido como um interesse da cidadania.

A própria lei é que dá essa atribuição à advocacia, que presta um serviço público e desempenha função social, e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade que inclusive tem como dever legal, além de defender a advocacia, organizar e disciplinar a profissão, devendo também fazer a defesa do estado democrático de direito, dos direitos humanos, da rápida aplicação da justiça, enfim, da cidadania.

Em tese, ninguém deve ser privado de assistência jurídica, cabendo ao Estado garantir aos que não podem contratar um advogado particularmente, o fornecimento dessa assistência gratuitamente. É por causa disso que combatemos as leis que autorizam o cidadão litigar em juízo sem a presença de advogado, pois quando isso ocorre, na verdade desobriga o Estado de fornecer-lhe um profissional para assisti-lo, deixando-o ao desamparo.

Muito diferente dessa obrigação do Estado de prestar assistência jurídica aos necessitados, é a situação na qual o advogado, espontaneamente, sem qualquer remuneração ou contrapartida, advoga, esporadicamente, para alguém que ele decida ajudar, especialmente os carentes.

Essa verdadeira caridade que o advogado, pessoa física, realiza, nunca foi proibida pela OAB, nem poderia ser objeto de restrição ou regramento, pois reside no âmbito interno, pessoal, de cada profissional que atende gratuitamente quem quer que seja. Essa conduta deve ser estimulada pois além de propiciar crescimento profissional ao advogado, certamente o faz crescer também como ser humano.

Aliás, a base humanística de nossa formação profissional nos prepara exatamente para que se tenha ampliada a sensibilidade no contato com o semelhante. Não me canso de repetir que essa é a profissão mais linda que existe, pois ela nos transforma e nos dá poder para transformar o mundo se desejarmos, fazendo realmente a diferença na vida das pessoas.

Assim registra-se, desde logo, a principal distinção entre a caridade e a chamada advocacia Pro Bono, a qual compreende também o atendimento e patrocínio de causas, gratuitamente, para carentes, sendo que o Pro Bono  por comportar atendimento realizado também por pessoas jurídicas e de forma regular, necessita de regras claras, a se evitar que sua prática vá de encontro aos princípios que norteiam o exercício da advocacia.

E porque regrar a advocacia Pro Bono? Penso que com o aumento dessas iniciativas, especialmente por pessoas jurídicas, podem-se criar linhas auxiliares ao Estado para suprir sua obrigação de assistir juridicamente o cidadão, visando muitos outros interesses, que poderiam conflitar com os da própria advocacia.

Esses interesses reclamam outra preocupação que obrigatoriamente deve-se ter, para defesa da advocacia e dos bem intencionados, no sentido de se evitar o desvio de finalidade da advocacia Pro Bono, servindo sob esse pretexto à captação de clientela, o que é vedado pelo Código de Ética da profissão.

Também não se pode negar que esse atendimento jurídico gratuito, organizado, sistemático, poderia sofrer influência de grupos políticos, de segmentos religiosos ou até de promoção publicitária, que tirariam proveito dessa atividade, o que sem dúvida precisamos com o regramento tentar evitar.

A OAB, diante disso, exercendo suas funções previstas em lei, deve regrar essa atividade, de maneira a que o exercício da advocacia Pro Bono seja mais uma forma de contribuição da classe dos advogados para a sociedade, evitando-se sempre os desvios que são objeto de censura.

Dessa forma, face à ausência de regras nacionais e a existência de regras somente em poucos estados da federação, fui designado Relator dessa matéria pelo presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho e decidi, por liminar, suspender o regramento sobre esse tema, em todo país.  Isso dará oportunidade para que o Conselho Federal estabeleça um novo regramento, nacional e uniforme, para todas as seccionais da Ordem, pois, reitero, há estados nos quais não há este regramento, outros o têm de forma precária e São Paulo tinha desde 2002, mas originou muitas dúvidas e polêmicas.

O Conselho Federal da Ordem homologou nossa decisão e o presidente do Conselho Federal constituiu uma comissão que será encarregada de debater e estabelecer esse regramento nacional para a atividade Pro Bono na advocacia. Haverá espaço para as sugestões da advocacia, dos presidentes de seccionais e subseções e também de conselheiros estaduais e federais e, ao final dos trabalhos teremos a apreciação do Conselho Federal, estabelecendo uma regra para todo o Brasil, esclarecendo o que é o Pro Bono e como ele funcionará.

Recentemente em pronunciamento o presidente da OAB SP, Marcos da Costa, disse que a matéria do Pro Bono “está superada, do ponto de vista estadual, e o debate se dará agora em âmbito nacional, que é o plano correto: não tenho dúvida que haverá espaço para as manifestações e sugestões, chegando então ao melhor para a advocacia e a cidadania quanto a este tema”.

Esse esforço, estou convencido, vai fortalecer a advocacia, o Pro Bono, e a própria caridade, pois o foco maior sempre será a histórica contribuição dos advogados à cidadania brasileira.